Vivemos em uma sociedade na qual o sucesso é condição essencial para ser feliz e hoje as redes sociais servem como vitrine para essa felicidade. Essa exposição do privado traz angústia quando as coisas não caminham para uma publicação feliz nos “stories”, pois se antes a preocupação era a vergonha de admitir o infortúnio em família, do tipo “o que eu vou dizer lá em casa”, com as redes sociais é expor o fracasso para um universo de pessoas não tão íntimas. Eu sou de uma geração que viveu mais de trinta anos de sua vida sem as redes sociais e quando as coisas não iam lá muito bem a comunicação não era instantânea e poucas eram as pessoas que recebiam as más notícias. Era comum toparmos nas ruas com algum conhecido e haver esse tipo de conversa:
- Você tem visto a fulana?
- Tu não sabes menina? Ela separou do marido! Ele amigou com a empregada da família vinte anos mais nova que ela. Um escândalo!
As redes sociais como Facebook, Instagram, Linkedin etc., são os fofoqueiros de plantão que são alimentados pelo próprio indivíduo que ´publica o fim do relacionamento, a perda do emprego, o fracasso nos negócios. No entanto, ainda que não se publique esses fatos, existem detetives virtuais que atuam como verdadeiros Sherlock Holmes atentos para uma eventual ausência de publicações ou analisam detalhadamente as declarações ou fotos publicadas buscando ver o quê foi apagado, ou quem foi “deletado” e “cancelado”. A depender das condições traumáticas que envolvem os eventos infelizes, talvez o que se menos deseje é dar publicidade aos mesmos. Porém, não me considero radicalmente contra as redes sociais, mas acredito que antes de fazê-las o diário de sua vida deva-se sopesar os riscos emocionais de uma vida exposta.
Virar a página não é uma tarefa fácil quando além do dissabor vem junto a negação, vergonha, melancolia e o medo do futuro, quando a vida parece perder o sentido e fica-se tão preso ao presente e nada, absolutamente nada, parece ser capaz de trazer de volta a autoestima. A psicóloga suíça naturalizada americana Elisabeth Kübler-Ross desenvolveu um trabalho brilhante sobre as etapas do lutos, descrevendo-as como negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Conceitualmente a descrição de cada um sentimento que envolve uma perda até a última fase aceitação parece bastante factível, mas discordo que a psique humana possa respeitar sistemas estanques tão bem definidos. Duas décadas antes de Kübler-Ross, o psicólogo americano Abraham Maslow também buscou hierarquizar as necessidades humanas em básicas, psicológicas e de realização pessoal, mas ambas as abordagens ignoram que os sentimentos são matizes que podem reunir duas ou mais etapas de qualquer hierarquização. Significa que no luto podem vir juntas a negação, raiva e depressão, assim como alguém que não tenha suas necessidades básicas supridas, ainda assim em algum aspecto de sua vida sinta-se realizado. No entanto, o tempo é a peça chave para transpor as fases do luto e pode ser considerado doença da alma caso o sofrimento se prolongue por muito tempo, ou em outras palavras, até que se possa virar a página.
O luto pela perda do emprego, do fracasso nos negócios ou pelo fim de um relacionamento são equivalentes a depender do desequilíbrio que trazem para nossas vidas. Há pessoas que reagem bem passando pelo luto e logo estão novamente a planejar uma nova trajetória de vida, reinventando-se face as oportunidades que surgem ou são criadas. Por outro lado, há pessoas que não conseguem reagir e vão precisar de ajuda para novamente sentirem-se bem consigo mesmas e não há uma fórmula mágica para isso. Portanto, não tem este texto a pretensão de ser um manual para solução desses problemas.
Virar a página passa pela aceitação que não somos capazes de controlar os acontecimentos que não dependem de nossos próprios esforços. Assim, por mais que sejamos otimistas, faz parte de um exercício de autoconhecimento nos colocarmos mentalmente enfrentando o que mais nos pode angustiar, mesmo que a nossa avaliação coloque como remota a possibilidade desse evento ruim acontecer. Nesses casos, deve-se buscar a constante capacitação profissional enquanto empregado ou empreendendo, ou engajar-se em atividades que aumentem a autoestima mesmo durante um relacionamento amoroso feliz. Muitos deixam para buscar essas coisas após o fracasso e outros sequer conseguem movimentar-se para tal e caem em depressão. Virar a página não se traduz em ações que são tomadas após o evento infeliz, mas o quanto nos preparamos para enfrentar essas decepções. Pegar em uma enxada para quem nunca trabalhou no campo traz calos dolorosos, mas se deixamos antecipadamente as mãos bem calejadas o trabalho braçal até poderá ser extenuante, mas não será de tão grande sofrimento.
Como dito anteriormente não há uma fórmula mágica para evitar sofrimentos que levem a depressão, mas o exercício de valorizar o que mais é importante em nossa vida e nos imaginarmos sem pode atuar tal como uma vacina na criação de anticorpos, neste caso, de imunidades emocionais.
João Lago