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domingo, 25 de julho de 2021

O sapo e as jacintas

Conta-se que em um tempo muito distante, quando os animais e insetos comunicavam-se uns com os outros, uma família de sapos foi habitar uma lagoa povoada por jacintas (libélulas), moscas e carapanãs (pernilongos). Os sapos ficaram muito felizes porque ali não lhes faltariam alimentos, neste caso os infelizes insetos. É preciso dizer que antes dos sapos chegarem eram as jacintas que estavam no topo da cadeia alimentar, pois se refastelavam das moscas, dos carapanãs e até, enquanto ninfas, de filhotes de peixes.

Quando a carnificina iniciou e os insetos viram-se dizimados, uma comissão de moscas e carapanãs foi conversar com a rainha das jacintas para pedir que falasse com os sapos para deixarem a lagoa. Os outros insetos não gostavam das jacintas, mas o apetite delas era bem inferior ao daquela família de sapos. Assim, a jacinta rainha, cheia da coragem afeita somente aos lideres, foi conversar com o sapo rei para pedir-lhe uma trégua. Disse-lhe com toda a erudição característica de elegante inseto:

- Senhor Batráquio, venho aqui em nome de todos os insetos que habitam esta lagoa para pedir que vossa majestade, acompanhado de vossa família, deixe este local. Não é nada pessoal, mas o apetite exacerbado dos sapos está a dizimar toda a população de insetos e em breve não sobrará um sequer para saciar sua fome. Sabemos que existem outras lagoas bem maiores ao norte e com uma maior população de insetos que não sentirão o impacto da chegada de uma família de sapos insaciáveis.

A jacinta voava a uma distância segura da língua pegajosa do batráquio. O sapo levantou os olhos em direção ao inseto, cuspindo para o lado e vociferando:

- E se eu não quiser sair daqui, quem é que vai me colocar para fora desta lagoa?

A jacinta respondeu:

- Certamente não serei eu, porque não tenho força suficiente para tal, mas posso dizer-lhe que encontraremos um meio para tal.

O sapo arrogante, salivando novamente para o lado e jogando sua língua para alcançar a rainha das jacintas sem conseguir, ao final disse-lhe:

- Vai-te embora daqui inseto insolente, tens sorte que minha língua não tem uns centímetros a mais, se não já estarias a caminho do meu estômago.

A jacinta voou para reencontrar os demais insetos e para anunciar que infelizmente os sapos não deixariam a lagoa voluntariamente e que precisaria um pouco de mais de tempo para observar e pensar uma estratégia de contra ataque, mas por enquanto todos deveriam redobrar os cuidados e manter uma distância segura da família dos sapos.

Passadas algumas semanas os sapos começaram a acasalar. A rainha das jacintas notou que as fêmeas lançavam os óvulos na água para que os machos os fertilizassem e, depois de fecundados, eram abandonados pelos pais. As jacintas perceberam que daqueles óvulos saíram girinos, muitos semelhantes aos filhotes de jovens de peixes que serviam de alimentos para as ninfas de jacintas. Desta forma, a cada nova ninhada de sapo, um exército de ninfas de jacintas era enviado para devorar os filhotes de sapo. Por não conseguir se reproduzir, os sapos finalmente foram obrigados a deixar a lagoa e a paz voltou a reinar no local.

Moral da estória: Não se sinta poderoso pelo tamanho de seu adversário, pois por algum momento a força bruta poderá vencer, mas há de sucumbir com a paciência e persistência daqueles que não são fortes, mas são muitos.

João Lago

domingo, 18 de julho de 2021

O brócolis e o pastel frito

Quem já criou filhos, com a preocupação devotada para o bem-estar, sabe que fazê-los gostar de salada ao invés do pastel frito é uma tarefa árdua. Principalmente quando os pais têm costumes alimentares nada saudáveis e que em nada contribuem como exemplo para os pequenos. Neste ponto, o dilema será entre a mudança de vida, ou a velha imposição do “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. A hipocrisia é o caminho fácil desde que bem escamoteada nas profundezas da intimidade familiar, mas com tanta exposição do que se faz hoje na vida pouco sobra para ficar no subterrâneo. Essa corda bamba que muitos se equilibram entre o público e o privado, do que deve ser visto e o que restará escondido, esbarra na necessidade de sermos reconhecidos, admirados, “curtidos” e aceitos.

Um mundo tão interconectado como o que vivemos, principalmente com tantas ferramentas de mídia à disposição como facebook, youtube, whatsapp, instragram, twitter e, mais recentemente, tik tok (dentro outros semelhantes) favoreceu a comunicação de personalidades com o seu público, ao mesmo tempo que proporcionou o surgimento de inúmeras celebridades instantâneas. Artistas de TV, cantores, esportistas, músicos, poetas, atores, jornalistas, todos que se consagraram na mídia tradicional de jornais, revistas, rádio e televisão, agora dividem espaço no mundo da internet e do smartphone com gente até então desconhecida. No entanto, do mesmo limbo que alguns emergem, outros famosos podem ser ali lançados a depender de como se comunicam, ou de qual fato exposto de sua vida particular vaza para o grande público.

Recentemente um “famoso” DJ, autor de inúmeros hits dos quais desconheço todos (não sou referência nessa área), foi do auge a sarjeta quando vídeos abomináveis de espancamentos praticados contra sua mulher foram viralizados nas novas mídias e repercutiram nas tradicionais. Pessoas ignorantes a “arte” de Iverson de Souza Araújo, ou DJ Ivis (alcunha que adotou), foram quase que obrigadas a buscar informação sobre qual tipo de celebridade estava-se falando. Se no passado recente a janela do mundo era estática na tela da TV, hoje caminha conosco na palma de nossas mãos. É bem verdade que essas novas mídias criaram bolhas, ou em um termo mais afeito a tecnologia, criaram clusters de indivíduos conectados por interesses e administrados por algorítimos que os alimentam somente daquilo que gostam de consumir. É como se as crianças, apesar das informações de alimentos saudáveis circularem, na mesa de suas casas somente sejam servidas frituras, doces e refrigerantes, porque é isso que aprenderam a desejar, não por uma escolha racional, mas porque é o que se impôs. Essa analogia é válida para tudo, da música erudita que deixa de ser conhecida, da literatura que não é consumida, da dança e do teatro que não são vistos, da ciência por trás das coisas que não alcançam a curiosidade. Uma sociedade na qual os interesses são orientados por algarismos tende a ser dominada pela Id (impulsos vindo de desejos primitivos na psicologia freudiana) e ficará orbitando entre o fácil e o ordinário.

Infelizmente muitas celebridades estão abrindo seus subterrâneos e expondo o seu pior porque uma grande parcela dos brasileiros acaba por se identificar com essa podridão. Alguns fazem sem muita cerimônia porque falam para sua bolha e dela dependem financeiramente, mas outros, que são patrocinados por marcas cuja ideologia pauta-se pela opinião pública, quando extrapolam o razoável da decência voltam atrás para pedir desculpas quando perdem contratos. Não se arrependem verdadeiramente de sua cupidez, apenas recuam um pouco até que novamente as circunstâncias lhes sejam mais favoráveis para novamente sair das sombras. Não nos enganemos, existe uma legião escondidas nas trevas prontas para agir se deixarmos de reagir aos ataques aos valores que nos caracterizam como nação civilizada.

É inegável que tivemos um retrocesso imenso nas pautas civilizatórias e recuperar o que foi perdido nos últimos anos pode demorar décadas. Isto posto, olhar para as crianças e realmente vê-las como futuro desta nação deverá ser mais que uma simples retórica de impacto. N o entanto, não se pode desejar que sejam somente educadas para dominar as tecnologias tão necessárias para a nossa independência econômica, bem como não se pode tirar a oportunidade de crianças nascidas marginalizadas ter acesso a mesma educação disponível as famílias mais abastadas. O desafio da educação é o da inclusão, mas não no sentido da imposição de uma revolução de valores quando o básico ainda não foi suprido ao conjunto da maioria mais pobre. Como falar para novas gerações da necessidade de cuidar do meio ambiente, se nas favelas que habitam o lixo acumula-se nas ruas e falta saneamento básico e água nas torneiras? Como falar que ser honesto é importante quando na comunidade aqueles que mais ostentam são justamente os que estão envolvidos no tráfico de drogas e em outros crimes? Como falar de igualdade quando a própria cor da pele já é identificação de culpa em uma abordagem policial ou de atitude suspeita em lojas e centros comerciais?

Uma chaga foi aberta como um câncer que vai tomando conta de um tecido enfraquecido e os remédios amargos mais fragilizam o paciente que o aliviam da dor. Para todas as mazelas descritas a solução que está na cabeça de uma maioria é controlar com violência a criminalidade nas favelas, aceitando como “efeito colateral” a morte de inocentes que nada tem a ver com isso e construir um muro bem alto que impeça gente pobre e “feia” de circular nos shoppings e lojas frequentadas por “gente de bem”. Essa forma de contenção já foi mais do que praticada por décadas no Brasil e é um exercício de hipocrisia e burrice insistir neste modelo que não deu certo, mas não por acaso sustenta uma indústria de programas “mundo cão” que é celeiro de políticos demagogos e corruptos. Não basta caiar a casa, trocar a geladeira, o fogão e não mudar o entorno, pois agindo assim nada de concreto muda na história de vida dessas pessoas, ou quando apenas alimenta o desejo de um dia sair dali e dá lugar a outro. Faz-se necessário levar dignidade as pessoas no lugar onde vivem e muito poucos buscaram este modelo.

Fazer uma criança gostar de comer verduras talvez seja fácil quando todas puderem escolher entre brócolis ou pastel frito, mas antes disso muita “gente de bem” continuará saindo de seus subterrâneos e expondo sua podridão em praça pública.

João Lago.

domingo, 11 de julho de 2021

Jogo sujo e mentiroso

Um jogo de azar que contém certa razoabilidade é o pôquer, mas não no sentido do completo domínio da partida e da certeza da vitória. Quem somente conhece esse jogo de cartas pela encenação de filmes sabe que faz parte do jogo o “blefe”, ou seja, fazer crer aos adversários que o conjunto de cartas que se tem nas mãos é superior aos demais. Aquele que dobra a aposta pode levar o que está sobre a mesa sem a necessidade de mostrar suas cartas, desde que nenhum outro pague para ver. Esse tipo de atitude mexe com a fragilidade do outro, pois como o adversário não conhece as cartas do oponente, pode ser que até tenha um bom jogo nas mãos, mas por não acreditar que tenha cartas suficientes para vencer, não dobra a aposta e, ou, não paga para ver. A bem da verdade, o pôquer é um jogo de azar no qual aqueles que sabem mentir, fingir e dissimular podem sair vencedores. Daí o porquê que geralmente os jogadores de pôquer são retratados no cinema como sujeitos de baixíssima moral.



O cenário político das últimas semanas bem que poderia retratar uma mesa de pôquer, pois fatos não faltam para ilustrar. Por exemplo, os irmãos Miranda fizeram calar Bolsonaro porque insinuaram, na Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI (no Senado Federal), que talvez tivessem nas mãos a gravação na qual denunciaram ao presidente Bolsonaro a compra superfaturada de vacinas da covaxin pelo Ministério da Saúde. É certo que Bolsonaro, segundo os Miranda, além de apontar o responsável pela fraude, nada fez e prevaricou pela omissão, ou melhor dizendo, estaria supostamente deixando o roubo acontecer. A imprensa, nem a CPI, tão pouco Bolsonaro não sabem se a gravação realmente existe, mas Bolsonaro não é capaz de pagar para ver e dizer que não houve a denúncia e prefere ficar calado. Face ao silêncio, um bom jogador de pôquer poderá supor que os Miranda, por terem dobrado a aposta ao ameaçar que não ouse Bolsonaro desmenti-los, tem nas mãos um “royal straight flush” (maior combinação possível do jogo).


Em uma outra mesa, Bolsonaro joga cartas com a sociedade brasileira tendo como parceiros de jogo alguns militares que integram o seu governo. O presidente jamais demonstrou em sua biografia apreço pela democracia e respeito pelas instituições que a sustenta. Sua conduta errática, principalmente no combate a pandemia e as denúncias de corrupção, foi-lhe descapitalizando e restam muito poucas fichas sobre a mesa. Bolsonaro vendo sua popularidade derreter, olha para ao lado e busca em seus correligionários de partida uma última cartada: o blefe. Diz que as urnas eletrônicas são fraudadas, essas mesmas que ao longo de vinte anos elegeram a si próprio e aos seus filhos, falando abertamente que não haverá eleição se não for adotado o voto impresso. A arrogância de Bolsonaro reside no apoio que supostamente tem das forças armadas que estariam dispostas a apoiá-lo em uma aventura golpista. É verdade que os generais, almirantes e brigadeiros da ativa em tese não podem se manifestar politicamente, mas uma linha tênue foi transposta quando o general Pazuello não foi punido por participar de “motociata” com Bolsonaro no Rio de Janeiro. Seguindo na garupa de Pazuello, recentemente comandantes do exército, marinha e aeronáutica assinaram uma nota conjunta de repúdio ao senador Omar Aziz (PSD-AM) por ter o parlamentar mencionado a existência de “uma banda podre” nas forças armadas que apoiam Bolsonaro e que estão envolvidas nos casos de corrupção da compra de vacinas. O sensato seria jamais militares da ativa serem chamados para participar de qualquer governo além do limite constitucional imposto as forças armadas. Como Bolsonaro demonstra que fará qualquer coisa para manter-se no poder, não tem nenhum pudor em oferecer vantagens pecuniárias aos militares em seu governo, como por exemplo a Portaria 4.975/21, do Ministério da Economia, que autorizou militares acumularem salários acima do teto constitucional. Esse mesmo impulso de sobrevivência política que também fez Bolsonaro distribuir bilhões em emendas ao Centrão e calar-se quando soube que um deles estava envolvido nas acusações dos irmãos Miranda.


A sociedade brasileira observa atônita e já não aguenta mais as loucuras de Bolsonaro e isto está demonstrado nas recentes pesquisas. O presidente buscou criar todo esse mal estar porque é de sua essência o confronto e não tem escrúpulos em demonstrar o que é: um sujeito de pouca inteligência emocional, baixa moral e nenhum respeito pela verdade. Talvez ele não saiba nem que cartas tem nas mãos, mas mesmo assim blefa e espera que o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal pague para ver. A nós brasileiros restam colocar nossas fichas na mesa e abastecer as instituições democráticas com manifestações populares mais numerosas e decididas a não tolerar mais ameças. Estamos no limite e é necessário darmos um basta nesse jogo sujo e mentiroso.


João Lago.

domingo, 4 de julho de 2021

Um monstro cercado de víboras


Um dos entes mais lembrados da mitologia grega em filmes de ação é a Medusa. Trata-se de uma figura feminina que de sua cabeça brotam serpentes, ornando-a em forma de cabelos. Além do aspecto horripilante de sua face, quem olhasse diretamente para os olhos de Medusa era transformado imediatamente em uma estátua de pedra. Coube a Perseu cortar a cabeça de Medusa com sua espada, usando o reflexo de seu escudo para localizá-la e, assim, evitando olhar diretamente em seus olhos. No entanto, mesmo depois de decapitada, a cabeça de Medusa ainda mantinha o poder de transformar em pedra quem olhasse em seus olhos. Perseu a guardava em um saco e a usou contra os seus inimigos.

A intolerância é um mal que cresce na onda de uma divisão que acompanha o debate político, mas precisamente com os ataques de ódio da extrema direita brasileira reacionária e golpista. Há que diga que exista um oposto ao bolsonarismo na política, mas basta olhar a história recente para ver que todos os presidentes eleitos, desde 1985, sujeitaram-se e respeitaram o jogo democrático. Fernando Collor foi apeado do poder e caçado os seus direitos políticos, mesmo renunciando à presidência, e não se tem notícia que tenha atacado as instituições. Mais recentemente, Dilma Rousseff também sofreu impeachment e, ao meu juízo, com fatos políticos de menor impacto daqueles que hoje movimentam os brasileiros nas ruas. É importante que se diga que Lula entregou-se para ir a cadeia sem oferecer resistência e hoje é fato que o juiz que o julgou agiu de forma parcial por interesses políticos pessoais. Porém, ao participar do bolsonarismo, Sérgio Moro aprendeu que ali não existe espaço para divergências, sendo proibido expressar qualquer pensamento que não reproduza o de Bolsonaro e de seus filhos. Qualquer um que pense ao contrário estará fadado a ser expurgado com desonra. Foi assim com Gustavo Bebiano, general Santos Cruz, Sérgio Moro, Joice Hasselmann, Alexandre Frota e tantos outros que foram para a cena política com Bolsonaro, mas que não permaneceram por não se anularem como pessoas pensantes. Restaram os que não se importam em ser identificados como uma das inúmeras serpentes da cabeça de Medusa que é o bolsonarismo.

A lembrança do Mito da Medusa como uma analogia ao bolsonarismo é porque todos os que passaram pelos olhos de Bolsonaro caíram em desgraça, ou estão em vias de estar. A lista é significativa: Sérgio Moro, Abraham Weintraub, Ernesto Araújo, Ricardo Salles e, mais recentemente, general Pazuello. Alguns desses nomes estão seriamente envolvidos em escândalos, ou estão sendo indiciados na justiça, ou chegando muito perto disto. A verdade é que todos aqueles que seguem fielmente a cartilha de Bolsonaro em algum momento serão confrontados com os absurdos de seus próprios atos e, quanto mais alinhados e próximos, grande é o risco de irem parar na cadeia.

A Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI que acontece no Senado Federal é o que mais se aproxima a ser chamada de Perseu, pois assim como o herói grego não poderia olhar diretamente em seus olhos, inicialmente a CPI buscava subterfúgios para decepar-lhe a cabeça, até que surgiu o fato concreto da prevaricação de Bolsonaro em não mandar apurar a corrupção criminosa das vacinas superfaturadas. No entanto, cortar a cabeça da Medusa não diminui o seu poder, sendo necessário mantê-la bem aprisionada.

O mito da Medusa e de Perseu nos serve de alegoria para compreender um outro mito: Não se pode colocar um monstro cercado de víboras para governar, pois ou esse mito nos paralisa, ou será necessário (metaforicamente falando) cortar-lhe a cabeça.

João Lago