Nessas idas e vindas
de Rio Preto da Eva para Manaus, cidade distante 77 km da capital do
Amazonas, face ao atraso da chegada do ônibus fui seduzido a
encurtar a espera e seguir em um dos vários táxis lotação que
servem de transporte alternativo. O veículo era um desses
utilitários que cabem sete pessoas e em uma viagem de uma hora e
meia, mesmo com a disposição de ficar calado, muitas vezes somos
quase que obrigados a entrar na conversa. Ao meu lado vinham dois
sujeitos que faziam quase que uma conversa de roteiro combinado, na
qual uma fazia as perguntas carregadas de interesse para que o outro
as respondessem. É dessagrável entrar na conversa alheia, mas,
convenhamos, o confinamento forçado é a centelha para que
esqueçamos nossa polidez e afloremos a ausência de educação.
O sujeito mais
falante fez uma breve descrição de seu currículo profissional.
Havia sido motorista de aplicativo e agora dedicava-se a manter uma
carteira de criptomoedas e alardeava ganhos de 400% sobre o capital
investido. Para quem não a conhece, criptomoeda é uma moeda virtual
que não existe fisicamente e que não é emitida por nenhum banco
central, portanto não tem a garantia de nenhum governo, mas que foi
sendo popularizada a partir do interesse de várias pessoas ao redor
do mundo em “minerá-las”, ou comprá-las para possuí-las em uma
carteira virtual. A partir do momento em que foi possível comprá-las
e vendê-las em um mercado de câmbio virtual foi que essas moedas
adquiriram o status de meio de troca no mundo real, mas ainda são
poucas as empresas que se arriscam a vender produtos aceitando
criptomoeda como pagamento. A Comissão de Valores Mobiliários –
CVM, que regulamenta os produtos de investimento financeiro no país,
não reconhece criptomoeda como ativo financeiro e proíbe que fundos
de investimento comprem a moeda virtual (artigo 2º, V, da Instrução
CVM nº 555/14). Não se trata de preconceito da CVM sobre a moeda
virtual, mas uma preocupação legítima em proteger o interesse de
investidores que, muitas vezes, por não serem conhecedores dos
riscos associados a cada ativo financeiro possam ter prejuízos
irreparáveis.
Retornando ao
confinamento do táxi lotação, a conversa entre os dois sujeitos
girava em torno dos ganhos extraordinários e a possibilidade de
viver sem trabalhar. Permanecia impassível até o momento em que
alguns passageiros, inclusive o motorista, começaram a perguntar
como entrar nessa onda milionária. A conversa ficou mais perigosa
porque o investimento sugerido era em uma pirâmide financeira
baseada em criptomoedas, ou seja, com elevado risco de perda de todo
o valor “investido”. Realmente aquele papo inicial entre os dois
tinha a intenção de aguçar a ambição de ganhos fáceis e o sinal
de alerta veio da citação de uma empresa virtual chamada Unick. Uma
ex-aluna já havia questionado a respeito dessa empresa e
perguntava-me se eu aprovava colocar algum dinheiro nisto. A minha
resposta foi direta e sem rodeios: Fuja disto! É uma pirâmide
financeira.
Quando estive na
Colômbia em 2008 acabava de estourar o escândalo da pirâmide DMG,
iniciais do nome de David Múrcia Gusmán, um ex-vendedor ambulante,
que conseguiu colocar um país em “estado de emergência social”
pela quantidade de incautos que colocaram todas suas economias para
alimentar a pirâmide DMG na esperança de deixarem de trabalhar para
sempre. A pergunta que se faz é: Como algumas pessoas, mesmo com
certa razoabilidade intelectual caem nesse golpe? Para responder é
necessário dizer como funciona o esquema de pirâmide. Vamos supor
que você tenha uma laranja e deseje ter retorno de três laranjas em
pouco tempo. Então, cria uma carteira e consegue convencer três
pessoas a investirem nela prometendo retorno de três laranjas, desde
que consigam cada um mais três novos investidores. O sujeito que
inicia a carteira toma para si todas as laranjas dos investidores,
porque que sabe que se cada um trouxer mais três “investidores”
e os demais mais três o resultado parcial da carteira será de 27
laranjas. Parece um bom negócio enquanto os novos entrantes na base
da pirâmide busquem mais e mais clientes para a carteira até que
cada vez menos sejam captados provocando, enfim, a falência do
modelo. Quando a pirâmide deixa de crescer e aqueles que investirem
busquem retirar as laranjas que depositaram vão perceber que elas
não mais existem, pois foram todas chupadas e nem o bagaço restou.
Na verdade alguns poucos ganham muito, mais precisamente aqueles que
controlam a carteira. As vezes uma pirâmide demora a desmoronar
porque aqueles que colocam o seu dinheiro acompanham um crescimento
de valor investido ilusório e acreditando que podem ganhar ainda
mais não sacam a totalidade do investido, mas apenas uma parte. A
lógica é quanto mais antiga seja a criação e o tempo do dinheiro
retido em pirâmides maiores serão os riscos de perder tudo.
Esses golpes com
pirâmides são alimentados pela ganância e são cíclicos, pois
veem de tempo em tempos, fazem estragos e retornam com uma nova
roupagem. Agora usando a ideia de criptomoeda e associada ao termo de
“multinível” que vem de um outro tipo de pirâmide que foi
apelidada de “marketing multinível”. A ideia é a mesma, talvez
os estelionatários sejam os mesmos, somente os incautos que não o
são.
João Lago