Certa
vez uma criança ficou gravemente enferma e a doença era de difícil
tratamento. Assim, a família viu-se na decisão de submetê-la a uma
terapia de cura com o viés de poder levá-la a uma morte rápida, ou
simplesmente tratá-la paliativamente, atenuando-lhe as dores e
estender sua vida por mais alguns anos, confiando que inteligência
humana poderia encontrar a cura para o mal. A idade da paciente era
crucial e as chances de morte após iniciado o tratamento eram de
95%.
O
dilema aqui proposto assemelha-se muito a nossa jovem democracia,
pois apesar de o regime democrático ser imperfeito como qualquer
arranjo humano, a possibilidade da decisão popular, de tempos em
tempos reequilibrar as forças na sociedade, faz com que a democracia
tenha supremacia a qualquer outra forma de organização política. O
remédio para os regimes autoritários sempre será a democracia e
justamente por isso que somente quando o corpo da sociedade está
enfraquecido que movimentos antidemocráticos crescem e ganham apoio
popular. Aliás, o nazismo historicamente tomou conta do povo alemão
em 1932 por meio voto popular e cresceu exclusivamente devido à
grave crise econômica que assolava a Europa no pós-guerra. A
Alemanha era um corpo alquebrado pela primeira guerra mundial e
chegou a uma inflação de mais de 1.000% ao mês. A baixa estima do
povo alemão por ter perdido a guerra e, por conseguinte, a perda de
territórios, favoreceu o discurso nacionalista de Hitler cujos
versos Deutschland, Deutschland über alles, Über alles in der
Welt (Alemanha, Alemanha acima
de todos, sobre tudo no mundo) conclamava
e evocava a superioridade
germânica. Assim, não me parece coincidência que o principal lema
do atual líder do nacionalismo brasileiro seja: “Brasil acima de
tudo. deus acima de todos”. O movimento brasileiro acrescenta
“deus” (inicial minúscula mesmo) como
um ingrediente religioso que confere um fanatismo as ideias
totalitárias tupiniquim,
como foi o próprio nazismo uma espécie de seita configurada no
culto a personalidade de Hitler. O próprio cumprimento nazista heil
Hitler (pronuncia-se rái
Hitler) é uma imitação da
saudação romana Ave César
que foi dramatizada no cinema como
uma forma de culto
obsessivo ao imperador.
Converso
com as pessoas nas ruas e observo as mensagens que circulam nas redes
sociais e concluo que os indivíduos atribuem a principal doença do
país a forma de organização política e a decadência moral e
ética da sociedade e de membros do parlamento.
Personificam
um candidato como capaz de resolver esses problemas, além de
atribuir-lhe competência para assuntos que não são da alçada da
presidência da república. Temas como o
aborto, o ativismo gay e feminista, o ensino de ideologia de gênero,
o partidarismo de
professores nas
escolas
e
a erotização promovida por uma determinada emissora de TV, pouca ou
nenhuma influência tem
na escolha do presidente.
Essas
questões estão mais voltadas na escolha de deputados
e senadores
que sejam
contrário a isso, pois
é nessa esfera de poder que as leis são forjadas. Além
disso, assuntos da tutela dos governos estaduais em sua capilaridade
como saúde, educação e segurança, são vistos como passiveis de
solução política de um único homem. Pouca, ou nenhuma atenção
se dá as políticas econômicas dos candidatos que é justamente o
que pode dar sustentabilidade a
uma paz social tão desejada.
Em
ambas as opções
que estão propostas para o segundo turno, parece desaparecer, ou
estar em segundo plano, a trajetória política dos candidatos. Um
deles, o que se aproxima de ideias fascistas, em seus vinte e sete
anos como parlamentar jamais denunciou a corrupção que levou o Rio
de Janeiro ao caos na saúde e segurança pública, sendo
esse o mesmo estado que
o elegeu a
sucessivos
mandatos como deputado federal. Aliás,
esse
tal candidato foi eleito com o hoje presidiário Sérgio Cabral,
ex-governador
fluminense
que na época de sua eleição estava na coligação "Juntos
pelo Rio". Os partidos PP, PMDB e PT estavam coligados
para elegerem Sérgio Cabral e
o PP
era
o partido do
também
hoje
presidiário
Paulo
Maluf. O
eleitor parece ignorar trajetória política tão nefasta e
acreditar que o discurso racista, misógino, homofóbico e
anticomunista
tenha poder de
purificá-lo de seu próprio passado. Já
o outro candidato, aconselha-se com um condenado
na justiça
e tem uma trajetória pífia na prefeitura de São Paulo que não o
habilita como gestor. O que mais
pesa
sobre o candidato petista é que boa parte do eleitorado também não
esqueceu o discurso de ódio do “nós contra eles” e se
identifica como adversário no “eles”, além de atribuir ao PT a
culpa pela decadência moral dos costumes e pela leniência com
a corrupção.
Como
se isso tudo não fosse suficiente, a indicação de Dilma Rousseff
como presidente demonstrou ser um fiasco total pelo descontrole com a
política econômica que levou mais de 14 milhões ao desemprego.
Como
resultado, o
esvaziamento
dos votos de Alckmin e de Marina Silva no primeiro turno indicam o
óbvio: parcela dos votos de ambos migraram para Ciro Gomes e
Bolsonaro. Porém, para o segundo turno não é certo que esse voto
de maior
de qualidade, que
permaneceu na esquerda e direita moderada, possa
migrar para Haddad ou Bolsonaro, pois o eleitor mais qualificado não
se identifica nem com um, nem com outro. A tendência é aumentarem
os votos brancos e nulos, a menos que um ou outro possa convencer o
eleitor que o passo
para o precipício
está mais
nos
pés
do adversário.
Neste
ponto Bolsonaro e Haddad tem muito em comum, a qualidade de seus
apoiadores e simpatizantes que nada agregam ao discurso conciliador
e pacificador.
Escolher
o menos pior não parece ser um caminho racional, pois a escolha do
eleitor deverá responder a pergunta crucial que está contida no
primeiro parágrafo desta reflexão: São quatro anos de um remédio
que pode matar o tecido social brasileiro e a nossa jovem democracia.
Portanto, qual das duas fórmulas tem mais chances de ser um
paliativo enquanto não vem a cura? O eleitor tem no íntimo essa
resposta e talvez por ser tão vergonhoso declará-la, só realmente
saberemos sua decisão no final da tarde do dia 28 de outubro. A
sorte está lançada e que Deus tenha piedade desta nação.
João
Lago
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