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segunda-feira, 29 de outubro de 2018

A sorte está lançada


Engana-se quem pensa que o resultado das urnas significa uma vitória, ou que a eleição de um candidato tenha o mesmo significado de vencer uma Copa do Mundo, motivo o qual muitos eleitores foram as ruas vestindo a camisa da seleção brasileira e soltando rojões. Porém, é verdade que nos tempos da ditadura o ufanismo era despertado por meio do futebol, paixão que levava a nação a vestir-se de verde e amarelo e sublimar o que ocorria nos porões da repressão. A copa do mundo na Rússia veio, passou e jaz esquecido o vexame histórico do placar de 1 a 7, cuja junção de números coincide com o algarismo do candidato que venceu a eleição presidencial. Mas, muito dirão: foi sete a um, esquecendo que no futebol a ordem do placar é determinada pelo mandante do campo. Ironias a parte, hoje a nossa jovem democracia é uma balzaquiana fértil, de trinta e três anos, que desperta olhares lascivos de quem dela deseja violar-lhe a inocência e dela parir o autoritarismo sob a espada do proselitismo religioso, recheado com discurso misógino, racista e preconceituoso.

Existem dois caminhos possíveis para os quatro anos que se avizinham. O primeiro é a confirmação, que apesar de jovem, nossa democracia tem as instituições sólidas o suficiente para repelir qualquer tentativa de ruptura institucional, mesmo que tenha amplo apoio popular para tal. O segundo caminho é mais tenebroso q ue me faz lembrar Jânio Quadros, cuja versão da história diz que renunciou a 25 de agosto de 1961 para retornar nos braços do povo e dos militares. Isto não aconteceu e qualquer cidadão bem informado sabe que assumiu com muito custo João Goulart (Jango), que era temido pela elite política da época a quem chamavam de comunista. Foi Leonel Brizola, cunhado de Jango, que tomou a frente da “campanha da legalidade” movimento político para fazer cumprir a constituição e fazer Jango tomar posse do cargo. Naquela época o golpe militar estava em curso, mas foi postergado quando se esvaziou o poder de Jango por meio da mudança de sistema de governo presidencialista para parlamentarista. Tancredo Neves assumiu como primeiro-ministro, mas por meio de um plebiscito em 1963 o presidencialismo retorna novamente como sistema de governo até que em março de 1964, um certo general Mourão, comandante da 4ª Região Militar e da 4ª Divisão de Infantaria do I Exército, sediados em Juiz de Fora-MG, deu início ao movimento de tropas que marchou rumo ao Rio de Janeiro para depor Jango da presidência. Estava instalado no Brasil uma das tantas ditaduras militares que ocorreram em toda a América do Sul.

Existem certas coincidências de nomes e fatos que antecedem o golpe militar de 64 com o atual quadro político. Primeiro, que passados vinte e nove anos da queda do muro de Berlim, marco do início da decadência política e econômica do comunismo, nesta eleição a abordagem mais usada pela extrema direita foi do medo patético do Brasil tornar-se uma nação comunista. A segunda coincidência é que a falência da centro-direita, personificada pelo PSDB que durante as últimas campanhas presidenciais polarizava com o PT, foi a lona a partir do envolvimento de outro Neves (Aécio neto de Tancredo) com o escândalo de corrupção da lava-jato. Terceira coincidência é um certo General Mourão que foi o quarto nome indicado para compor a chapa de Bolsonaro depois que declinaram Magno Malta, Janaína Paschoal e o príncipe Luiz Orleans e Bragança. Se não veio o general da 4a. Região/Divisão, veio pela quarta indicação.

As coincidências podem ser sombrias, mas no final poderão não significar absolutamente nada e todas as bobagens ditas por Bolsonaro e aliados, que embora interpretadas como ameaças a democracia, foram simplesmente bravatas com o intuito de ganhar a eleição. Porém, o que chegou a presidência da república não é um neófito, pois se nos seus vinte e sete anos como parlamentar não conseguiu compreender que apoio político não se conquista no parlamento brasileiro com saliva, mas com o tão simples toma-lá-dá-cá, poderá ser que seja mais um que ao defrontar-se com a realidade venha a corromper-se ou, muito pior, seguir com desejos absolutos de poder justificando para isto a inoperância das forças democráticas. Seria bem melhor para o Brasil que as discussões políticas nesse último pleito tivessem ficado no embate programático, mas pouco se ouviu de propostas para a economia, educação, saúde e segurança. O eleito sequer participou de debates, restringindo-se a uma campanha baseada em redes sociais e mensagens de whatsapp.

A nação brasileira assinou um cheque em branco muito difícil de ser descontado nos próximos quatro anos. Resta saber se para descontá-lo estará disposto a apoiar uma ditadura ou esperar que outro venha a pagar essa conta sob a égide da democracia. Em todo o caso não adianta mais chorar o leite derramado. A sorte está lançada.

João Lago.


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