quarta-feira, 31 de outubro de 2018
segunda-feira, 29 de outubro de 2018
A sorte está lançada
Engana-se
quem pensa que o resultado das urnas significa uma vitória, ou que a
eleição de um candidato tenha o mesmo significado de vencer uma
Copa do Mundo, motivo o qual muitos eleitores foram as ruas vestindo
a camisa da seleção brasileira e soltando rojões. Porém, é
verdade que nos tempos da ditadura o ufanismo era despertado por meio
do futebol, paixão que levava a nação a vestir-se de verde e
amarelo e sublimar o que ocorria nos porões da repressão. A copa do
mundo na Rússia veio, passou e jaz esquecido o vexame histórico do
placar de 1 a 7, cuja junção de números coincide com o algarismo
do candidato que venceu a eleição presidencial. Mas, muito dirão:
foi sete a um, esquecendo que no futebol a ordem do placar é
determinada pelo mandante do campo. Ironias a parte, hoje a nossa
jovem democracia é uma balzaquiana fértil, de trinta e três anos,
que desperta olhares lascivos de quem dela deseja violar-lhe a
inocência e dela parir o autoritarismo sob a espada do proselitismo
religioso, recheado com discurso misógino, racista e preconceituoso.
Existem
dois caminhos possíveis para os quatro anos que se avizinham. O
primeiro é a confirmação, que apesar de jovem, nossa democracia
tem as instituições sólidas o suficiente para repelir qualquer
tentativa de ruptura institucional, mesmo que tenha amplo apoio
popular para tal. O segundo caminho é mais tenebroso q ue me faz
lembrar Jânio Quadros, cuja versão da história diz que renunciou a
25 de agosto de 1961 para retornar nos braços do povo e dos
militares. Isto não aconteceu e qualquer cidadão bem informado sabe
que assumiu com muito custo João Goulart (Jango), que era temido
pela elite política da época a quem chamavam de comunista. Foi
Leonel Brizola, cunhado de Jango, que tomou a frente da “campanha
da legalidade” movimento político para fazer cumprir a
constituição e fazer Jango tomar posse do cargo. Naquela época o
golpe militar estava em curso, mas foi postergado quando se esvaziou
o poder de Jango por meio da mudança de sistema de governo
presidencialista para parlamentarista. Tancredo Neves assumiu como
primeiro-ministro, mas por meio de um plebiscito em 1963 o
presidencialismo retorna novamente como sistema de governo até que
em março de 1964, um certo general Mourão, comandante da 4ª Região
Militar e da 4ª Divisão de Infantaria do I Exército, sediados em
Juiz de Fora-MG, deu início ao movimento de tropas que marchou rumo
ao Rio de Janeiro para depor Jango da presidência. Estava instalado
no Brasil uma das tantas ditaduras militares que ocorreram em toda a
América do Sul.
Existem
certas coincidências de nomes e fatos que antecedem o golpe militar
de 64 com o atual quadro político. Primeiro, que passados vinte e
nove anos da queda do muro de Berlim, marco do início da decadência
política e econômica do comunismo, nesta eleição a abordagem mais
usada pela extrema direita foi do medo patético do Brasil tornar-se
uma nação comunista. A segunda coincidência é que a falência da
centro-direita, personificada pelo PSDB que durante as últimas
campanhas presidenciais polarizava com o PT, foi a lona a partir do
envolvimento de outro Neves (Aécio neto de Tancredo) com o escândalo
de corrupção da lava-jato. Terceira coincidência é um certo
General Mourão que foi o quarto nome indicado para compor a chapa de
Bolsonaro depois que declinaram Magno Malta, Janaína Paschoal e o
príncipe Luiz Orleans e Bragança. Se não veio o general da 4a.
Região/Divisão, veio pela quarta indicação.
As
coincidências podem ser sombrias, mas no final poderão não
significar absolutamente nada e todas as bobagens ditas por Bolsonaro
e aliados, que embora interpretadas como ameaças a democracia, foram
simplesmente bravatas com o intuito de ganhar a eleição. Porém, o
que chegou a presidência da república não é um neófito, pois se
nos seus vinte e sete anos como parlamentar não conseguiu
compreender que apoio político não se conquista no parlamento
brasileiro com saliva, mas com o tão simples toma-lá-dá-cá,
poderá ser que seja mais um que ao defrontar-se com a realidade
venha a corromper-se ou, muito pior, seguir com desejos absolutos de
poder justificando para isto a inoperância das forças democráticas.
Seria bem melhor para o Brasil que as discussões políticas nesse
último pleito tivessem ficado no embate programático, mas pouco se
ouviu de propostas para a economia, educação, saúde e segurança.
O eleito sequer participou de debates, restringindo-se a uma campanha
baseada em redes sociais e mensagens de whatsapp.
A
nação brasileira assinou um cheque em branco muito difícil de ser
descontado nos próximos quatro anos. Resta saber se para descontá-lo
estará disposto a apoiar uma ditadura ou esperar que outro venha a
pagar essa conta sob a égide da democracia. Em todo o caso não
adianta mais chorar o leite derramado. A sorte está lançada.
João
Lago.
sexta-feira, 12 de outubro de 2018
Enquanto a cura não vem.
Certa
vez uma criança ficou gravemente enferma e a doença era de difícil
tratamento. Assim, a família viu-se na decisão de submetê-la a uma
terapia de cura com o viés de poder levá-la a uma morte rápida, ou
simplesmente tratá-la paliativamente, atenuando-lhe as dores e
estender sua vida por mais alguns anos, confiando que inteligência
humana poderia encontrar a cura para o mal. A idade da paciente era
crucial e as chances de morte após iniciado o tratamento eram de
95%.
O
dilema aqui proposto assemelha-se muito a nossa jovem democracia,
pois apesar de o regime democrático ser imperfeito como qualquer
arranjo humano, a possibilidade da decisão popular, de tempos em
tempos reequilibrar as forças na sociedade, faz com que a democracia
tenha supremacia a qualquer outra forma de organização política. O
remédio para os regimes autoritários sempre será a democracia e
justamente por isso que somente quando o corpo da sociedade está
enfraquecido que movimentos antidemocráticos crescem e ganham apoio
popular. Aliás, o nazismo historicamente tomou conta do povo alemão
em 1932 por meio voto popular e cresceu exclusivamente devido à
grave crise econômica que assolava a Europa no pós-guerra. A
Alemanha era um corpo alquebrado pela primeira guerra mundial e
chegou a uma inflação de mais de 1.000% ao mês. A baixa estima do
povo alemão por ter perdido a guerra e, por conseguinte, a perda de
territórios, favoreceu o discurso nacionalista de Hitler cujos
versos Deutschland, Deutschland über alles, Über alles in der
Welt (Alemanha, Alemanha acima
de todos, sobre tudo no mundo) conclamava
e evocava a superioridade
germânica. Assim, não me parece coincidência que o principal lema
do atual líder do nacionalismo brasileiro seja: “Brasil acima de
tudo. deus acima de todos”. O movimento brasileiro acrescenta
“deus” (inicial minúscula mesmo) como
um ingrediente religioso que confere um fanatismo as ideias
totalitárias tupiniquim,
como foi o próprio nazismo uma espécie de seita configurada no
culto a personalidade de Hitler. O próprio cumprimento nazista heil
Hitler (pronuncia-se rái
Hitler) é uma imitação da
saudação romana Ave César
que foi dramatizada no cinema como
uma forma de culto
obsessivo ao imperador.
Converso
com as pessoas nas ruas e observo as mensagens que circulam nas redes
sociais e concluo que os indivíduos atribuem a principal doença do
país a forma de organização política e a decadência moral e
ética da sociedade e de membros do parlamento.
Personificam
um candidato como capaz de resolver esses problemas, além de
atribuir-lhe competência para assuntos que não são da alçada da
presidência da república. Temas como o
aborto, o ativismo gay e feminista, o ensino de ideologia de gênero,
o partidarismo de
professores nas
escolas
e
a erotização promovida por uma determinada emissora de TV, pouca ou
nenhuma influência tem
na escolha do presidente.
Essas
questões estão mais voltadas na escolha de deputados
e senadores
que sejam
contrário a isso, pois
é nessa esfera de poder que as leis são forjadas. Além
disso, assuntos da tutela dos governos estaduais em sua capilaridade
como saúde, educação e segurança, são vistos como passiveis de
solução política de um único homem. Pouca, ou nenhuma atenção
se dá as políticas econômicas dos candidatos que é justamente o
que pode dar sustentabilidade a
uma paz social tão desejada.
Em
ambas as opções
que estão propostas para o segundo turno, parece desaparecer, ou
estar em segundo plano, a trajetória política dos candidatos. Um
deles, o que se aproxima de ideias fascistas, em seus vinte e sete
anos como parlamentar jamais denunciou a corrupção que levou o Rio
de Janeiro ao caos na saúde e segurança pública, sendo
esse o mesmo estado que
o elegeu a
sucessivos
mandatos como deputado federal. Aliás,
esse
tal candidato foi eleito com o hoje presidiário Sérgio Cabral,
ex-governador
fluminense
que na época de sua eleição estava na coligação "Juntos
pelo Rio". Os partidos PP, PMDB e PT estavam coligados
para elegerem Sérgio Cabral e
o PP
era
o partido do
também
hoje
presidiário
Paulo
Maluf. O
eleitor parece ignorar trajetória política tão nefasta e
acreditar que o discurso racista, misógino, homofóbico e
anticomunista
tenha poder de
purificá-lo de seu próprio passado. Já
o outro candidato, aconselha-se com um condenado
na justiça
e tem uma trajetória pífia na prefeitura de São Paulo que não o
habilita como gestor. O que mais
pesa
sobre o candidato petista é que boa parte do eleitorado também não
esqueceu o discurso de ódio do “nós contra eles” e se
identifica como adversário no “eles”, além de atribuir ao PT a
culpa pela decadência moral dos costumes e pela leniência com
a corrupção.
Como
se isso tudo não fosse suficiente, a indicação de Dilma Rousseff
como presidente demonstrou ser um fiasco total pelo descontrole com a
política econômica que levou mais de 14 milhões ao desemprego.
Como
resultado, o
esvaziamento
dos votos de Alckmin e de Marina Silva no primeiro turno indicam o
óbvio: parcela dos votos de ambos migraram para Ciro Gomes e
Bolsonaro. Porém, para o segundo turno não é certo que esse voto
de maior
de qualidade, que
permaneceu na esquerda e direita moderada, possa
migrar para Haddad ou Bolsonaro, pois o eleitor mais qualificado não
se identifica nem com um, nem com outro. A tendência é aumentarem
os votos brancos e nulos, a menos que um ou outro possa convencer o
eleitor que o passo
para o precipício
está mais
nos
pés
do adversário.
Neste
ponto Bolsonaro e Haddad tem muito em comum, a qualidade de seus
apoiadores e simpatizantes que nada agregam ao discurso conciliador
e pacificador.
Escolher
o menos pior não parece ser um caminho racional, pois a escolha do
eleitor deverá responder a pergunta crucial que está contida no
primeiro parágrafo desta reflexão: São quatro anos de um remédio
que pode matar o tecido social brasileiro e a nossa jovem democracia.
Portanto, qual das duas fórmulas tem mais chances de ser um
paliativo enquanto não vem a cura? O eleitor tem no íntimo essa
resposta e talvez por ser tão vergonhoso declará-la, só realmente
saberemos sua decisão no final da tarde do dia 28 de outubro. A
sorte está lançada e que Deus tenha piedade desta nação.
João
Lago
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