Em minhas frequências as aulas de
Instituição de Direito Público e Privado, no curso de administração no
Instituto de Ciências Humanas e Letras – ICHL, na antiga Universidade do
Amazonas – UA, tive a oportunidade de estudar direito constitucional, quando
aprendi que o Supremo Tribunal Federal – STF tinha como função dirimir assuntos
relacionados à Constituição Federal - CF e, essencialmente, ao examinar
determinada matéria teria como dever resgatar a intenção do poder constituinte
original quando elaborou determinado preceito de direitos e deveres. Essa
interpretação da função do STF para mim é primordial, pois na separação dos
poderes que rege a nossa democracia, a função de redigir as leis é do Congresso
Nacional, cabendo ao poder judiciário implementá-las quando as demandas cheguem
aos tribunais. O juiz não investiga e nem colhe provas para um processo, pois o
trabalho de investigar é uma função do poder executivo (policia civil e policia
federal). Isto significa que não é função do judiciário elaborar as leis e
investigar, mas poderá criar jurisprudência e promover a justiça a partir da
interpretação da letra do código ao qual se debruça.
Pode-se interpretar que é a
jurisprudência que revela a inteligência da lei, quando inúmeros juízes ao examinar
fatos distintos chegam a um mesmo discernimento a partir da interpretação da
mesma norma jurídica. O direito anglo-saxônico (common law) utiliza-se a das decisões dos tribunais como fator
primordial para a procedência de causa em um novo fato, pois se um cidadão em
outro tribunal teve a deferência de seu pedido aceito, como todos são iguais
perante a lei, nada mais justo que alguém que esteja em mesma situação tenha
seu pedido aceito em sua defesa ou em sua acusação. Porém, a história da
democracia indica que desde o século XVII é de John Locke, na clássica
separação dos poderes, a aversão (respaldado por Montesquieu) da possibilidade
dos juízes doutrinarem, mas já naquela época admitia-se que as generalizações
fossem feitas de coisa julgada, ou seja, sendo essa a limitação dos juízes. Todavia,
no caso de dúvidas, a interpretação da lei caberia não aos juízes, mas ao
parlamento para dirimir a questão, sendo este o conceito do civil law que indica mais o apego ao que
está escrito na lei do que propriamente das decisões dos tribunais,
equilibrando o poder do judiciário com o do legislativo.
Falar de commom law e civil law é
tão atual, para entender a atuação do STF, justamente porque o direito
brasileiro tem inspiração no civil law
e por isso é tão distinto, por exemplo, do direito praticado nos EUA. Os
tribunais no Brasil julgam o fato em comparação com a letra da lei e, havendo
dúvida quanto à coisa julgada, pode-se recorrer à instância imediatamente superior
na busca de uma nova interpretação para absolvição ou condenação. Em último
caso, havendo suspeita que princípios fundamentais do cidadão garantidos na CF
estejam sendo violados, pode-se recorrer ao STF. Daí porque os advogados de
Lula recorreram com um habeas corpus ao
STF para livrá-lo da prisão, pois pediam que se revisasse o artigo 5º da CF,
inciso LVII, que diz: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória”. O problema é que os manuais de direito
consideram o “trânsito julgado” quando não há mais possibilidade das partes
recorrerem e é justamente nesta redação que cinco ministros, vencidos pela
maioria, dão seu entendimento que seja inconstitucional a prisão após a
condenação em segunda instância, essa mesma que levou Lula a cadeia. Esses cinco
ministros voltam as suas costas togadas para a impunidade que a redação isolada
da lei provoca na sociedade, pois está mais do que certo que as cadeias estão
abarrotadas de pobres miseráveis que não tem acesso a bons advogados. E que são considerados “bons advogados” não
para provarem a inocência de seus clientes, mas por meio de inúmeros recursos
possíveis, nas diversas instâncias da justiça, postergarem a prisão de seus
clientes até a prescrição do crime cometido. Lógico que a OAB é contra a prisão
em segunda instância da mesma forma que taxistas odeiam o Uber, pois em ambos
os casos, uma e outro, vem para atrapalhar os negócios. Quanto mais tempo ficam
com um cliente, quantos mais recursos possíveis, mais ganham dinheiro. Logo,
quem não tem como pagar, vai para a cadeia tão precocemente.
Esta reflexão pede tão somente
aos ilustres ministros do STF que não olhem apenas para o artigo 5º da CF, mas
voltem também os seus olhos para o artigo 3º, inciso I que diz: “Constituem
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: construir uma sociedade
livre, justa e solidária”. Também deveriam ler o inciso IV desse mesmo artigo
que diz: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Tanto o artigo 3º quanto o 5º
tratam das chamadas “cláusulas pétreas” da CF que não podem ser mudadas a não
ser por uma nova constituição. Ambos têm mesma importância e analisá-los
isoladamente não é interpretar a CF, mas buscar forma casuística no debate que
venham a privilegiar um grupo de aquinhoados.
Não se pode construir uma
sociedade justa quando os ricos e poderosos conseguem livrar-se de seus crimes
e os pobres são os que verdadeiramente vão direto para a cadeia. Não se pode
promover o bem de todos quando a sociedade privilegia o rico com a impunidade e
a justiça seja um valor subjetivo para os demais. Portanto, se é para julgarem
o texto escrito resgatando a intenção do poder constituinte quando ditaram a CF,
não foi essa a sociedade que os brasileiros de bem desejaram e desejam para si.
Justiça sem igualdade e voltando as costas para o bem de todos, não é justiça.
João Lago.
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