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segunda-feira, 9 de abril de 2018

A impunidade de uma sociedade injusta



Em minhas frequências as aulas de Instituição de Direito Público e Privado, no curso de administração no Instituto de Ciências Humanas e Letras – ICHL, na antiga Universidade do Amazonas – UA, tive a oportunidade de estudar direito constitucional, quando aprendi que o Supremo Tribunal Federal – STF tinha como função dirimir assuntos relacionados à Constituição Federal - CF e, essencialmente, ao examinar determinada matéria teria como dever resgatar a intenção do poder constituinte original quando elaborou determinado preceito de direitos e deveres. Essa interpretação da função do STF para mim é primordial, pois na separação dos poderes que rege a nossa democracia, a função de redigir as leis é do Congresso Nacional, cabendo ao poder judiciário implementá-las quando as demandas cheguem aos tribunais. O juiz não investiga e nem colhe provas para um processo, pois o trabalho de investigar é uma função do poder executivo (policia civil e policia federal). Isto significa que não é função do judiciário elaborar as leis e investigar, mas poderá criar jurisprudência e promover a justiça a partir da interpretação da letra do código ao qual se debruça.

Pode-se interpretar que é a jurisprudência que revela a inteligência da lei, quando inúmeros juízes ao examinar fatos distintos chegam a um mesmo discernimento a partir da interpretação da mesma norma jurídica. O direito anglo-saxônico (common law) utiliza-se a das decisões dos tribunais como fator primordial para a procedência de causa em um novo fato, pois se um cidadão em outro tribunal teve a deferência de seu pedido aceito, como todos são iguais perante a lei, nada mais justo que alguém que esteja em mesma situação tenha seu pedido aceito em sua defesa ou em sua acusação. Porém, a história da democracia indica que desde o século XVII é de John Locke, na clássica separação dos poderes, a aversão (respaldado por Montesquieu) da possibilidade dos juízes doutrinarem, mas já naquela época admitia-se que as generalizações fossem feitas de coisa julgada, ou seja, sendo essa a limitação dos juízes. Todavia, no caso de dúvidas, a interpretação da lei caberia não aos juízes, mas ao parlamento para dirimir a questão, sendo este o conceito do civil law que indica mais o apego ao que está escrito na lei do que propriamente das decisões dos tribunais, equilibrando o poder do judiciário com o do legislativo.

Falar de commom law e civil law é tão atual, para entender a atuação do STF, justamente porque o direito brasileiro tem inspiração no civil law e por isso é tão distinto, por exemplo, do direito praticado nos EUA. Os tribunais no Brasil julgam o fato em comparação com a letra da lei e, havendo dúvida quanto à coisa julgada, pode-se recorrer à instância imediatamente superior na busca de uma nova interpretação para absolvição ou condenação. Em último caso, havendo suspeita que princípios fundamentais do cidadão garantidos na CF estejam sendo violados, pode-se recorrer ao STF. Daí porque os advogados de Lula recorreram com um habeas corpus ao STF para livrá-lo da prisão, pois pediam que se revisasse o artigo 5º da CF, inciso LVII, que diz: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. O problema é que os manuais de direito consideram o “trânsito julgado” quando não há mais possibilidade das partes recorrerem e é justamente nesta redação que cinco ministros, vencidos pela maioria, dão seu entendimento que seja inconstitucional a prisão após a condenação em segunda instância, essa mesma que levou Lula a cadeia. Esses cinco ministros voltam as suas costas togadas para a impunidade que a redação isolada da lei provoca na sociedade, pois está mais do que certo que as cadeias estão abarrotadas de pobres miseráveis que não tem acesso a bons advogados.  E que são considerados “bons advogados” não para provarem a inocência de seus clientes, mas por meio de inúmeros recursos possíveis, nas diversas instâncias da justiça, postergarem a prisão de seus clientes até a prescrição do crime cometido. Lógico que a OAB é contra a prisão em segunda instância da mesma forma que taxistas odeiam o Uber, pois em ambos os casos, uma e outro, vem para atrapalhar os negócios. Quanto mais tempo ficam com um cliente, quantos mais recursos possíveis, mais ganham dinheiro. Logo, quem não tem como pagar, vai para a cadeia tão precocemente.

Esta reflexão pede tão somente aos ilustres ministros do STF que não olhem apenas para o artigo 5º da CF, mas voltem também os seus olhos para o artigo 3º, inciso I que diz: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: construir uma sociedade livre, justa e solidária”. Também deveriam ler o inciso IV desse mesmo artigo que diz: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Tanto o artigo 3º quanto o 5º tratam das chamadas “cláusulas pétreas” da CF que não podem ser mudadas a não ser por uma nova constituição. Ambos têm mesma importância e analisá-los isoladamente não é interpretar a CF, mas buscar forma casuística no debate que venham a privilegiar um grupo de aquinhoados.

Não se pode construir uma sociedade justa quando os ricos e poderosos conseguem livrar-se de seus crimes e os pobres são os que verdadeiramente vão direto para a cadeia. Não se pode promover o bem de todos quando a sociedade privilegia o rico com a impunidade e a justiça seja um valor subjetivo para os demais. Portanto, se é para julgarem o texto escrito resgatando a intenção do poder constituinte quando ditaram a CF, não foi essa a sociedade que os brasileiros de bem desejaram e desejam para si. Justiça sem igualdade e voltando as costas para o bem de todos, não é justiça.

João Lago.

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