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quinta-feira, 4 de junho de 2015

DEMOCRACIA, MERITOCRACIA E INCLUSÃO SOCIAL



Esta reflexão que aqui apresento, iniciou-se com minha filha (15 anos) adentrando a porta de meu quarto pedindo ajuda para o preenchimento do questionário socioeconômico da inscrição do Enem – Exame Nacional do Ensino Médio.  A cada pergunta, capciosamente construída para limitar suas chances em uma vaga na universidade pública, que abordava desde a cor da pele, passando pela escolaridade dos pais, número de banheiros na casa e outras informações, somente para colocá-la em situação de desvantagem, simplesmente por ter nascido em uma família que valoriza a educação e que pôde, com muito esforço, pagar-lhe um bom ensino e oferecer-lhe um relativo conforto material. A regra do acesso à universidade pública não é mais totalmente apoiada no conceito do mérito.

A meritocracia consiste que a escolha de um profissional, ou a ascensão deste para um cargo de maior importância, é determinada por meio do mérito, ou seja, pelo conhecimento, pelas conquistas, pela demonstração de valores incontestes quando comparado com os seus pares. Porém, a meritocracia não é um conceito moderno, haja vista que Confúcio, que viveu nos anos 551 a 479 a.C, em sua filosofia pregava que a importância das pessoas deveria basear-se no mérito. No Século II a ideia da meritocracia foi utilizada pelo imperador chinês Shih Huang-Ti para escolher funcionários públicos, mas infelizmente os cargos de maior importância ainda eram entregues aos familiares e amigos do imperador.

No Brasil os concursos públicos ainda se apoiam na meritocracia, mas paulatinamente vão se incluindo minorias com reserva de vagas, algumas plenamente aceitas pela sociedade, como aquela que prevista na Lei 7853/89, regulamentada no Decreto 3298/99, que assegura 5% das vagas para pessoas portadoras de deficiência. A deficiência física muitas vezes é atribuída por uma casualidade (a pessoa nasce assim), ou por uma fatalidade (a pessoa a adquire) e a medicina moderna não é capaz de resolvê-la. Assim, a condescendência à defecção da meritocracia neste caso ganha matizes de inclusão social.

Em 1989, ano da efervescência constitucional, mesmo ano em que se atribuía vagas para portadores de deficiência no emprego público, é sancionada a Lei 7716 que criminaliza qualquer conduta discriminatória, ou preconceituosa, por motivo de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Da mesma forma que a Lei 7853 foi muito bem recepcionada pela sociedade brasileira, a lei 7716 foi imediatamente aceita, pois apesar de prevista a igualdade entre as pessoas e a liberdade de religião na nascente Constituição Federal, a criminalização de condutas discriminatórias também carregava cores de inclusão social. No entanto, não se pode levar toda a ação de inclusão social por meio da criação de privilégios, ou pela criminalização da conduta comportamental das pessoas, quando não há certeza absoluta que o direito constitucional difuso garantido a qualquer cidadão não será violado.

Nos países escandinavos (Suécia, Noruega e Finlândia), que reconhecidamente possuem um sistema educacional de melhor qualidade no mundo, o ensino é público e gratuito (pleonasticamente falando), inclusive o ensino superior. O sistema de acesso às vagas é por meio da meritocracia e é impensável haver cotas de ensino, haja vista que a educação de qualidade é franqueada a todos e não somente aqueles que podem pagar para ter o privilégio de uma boa educação. Mas não se engane, pois todo esse ensino de excelência, assim como o acesso a saúde pública de qualidade, é custeado com os mais altos impostos cobrados no mundo ocidental. A diferença é que cada centavo pago em impostos pelo cidadão retorna em serviços públicos de excelente qualidade. Este é o jeito escandinavo de democracia e inclusão social.

O sistema de cotas do ensino superior no Brasil, travestido de “inclusão social”, na verdade apenas expressa a incompetência demagógica do governo federal em entregar a população, independentemente da quantidade de banheiros que se tem em casa, ou mesmo a cor da pele, um ensino público fundamental e médio de qualidade. A analogia que faço é de uma comunidade que tenha uma praça que seja comum a todos, cuja área verde é tomada pelo mato, sujeira e que não recebe a atenção necessária do poder público para transformá-la em um local aprazível. Cansado de receber tantas reclamações, o gestor público resolve o problema mandando cobrir a área verde com concreto. Pronto! Não era exatamente isso que pedia a população, mas é o que foi entregue de forma arbitrária como solução.

A cada pergunta que minha filha fazia sobre a quantidade de geladeiras, computadores, automóveis etc., eu sentia-me culpado por limitar sua oportunidade em ingressar em uma universidade pública pela quantidade de conforto material entregue a ela. Nada do que possuímos considero um luxo, mas mesmo que fosse foi adquirido paulatinamente com o esforço do trabalho desta família e os impostos que pagamos são praticamente entregues a fundo perdido, pois nos esforçamos para manter nossos filhos adolescentes em escola particular de boa qualidade e segurança, além de recorrer ao plano de saúde para ter direito a um tratamento digno quando adoecemos.

Sinceramente, fico com a visão democrática de inclusão social que ensina as políticas públicas dos países escandinavos.

João Lago.
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont.

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