Esta reflexão que aqui apresento,
iniciou-se com minha filha (15 anos) adentrando a porta de meu quarto pedindo
ajuda para o preenchimento do questionário socioeconômico da inscrição do Enem
– Exame Nacional do Ensino Médio. A cada
pergunta, capciosamente construída para limitar suas chances em uma vaga na
universidade pública, que abordava desde a cor da pele, passando pela escolaridade
dos pais, número de banheiros na casa e outras informações, somente para
colocá-la em situação de desvantagem, simplesmente por ter nascido em uma família
que valoriza a educação e que pôde, com muito esforço, pagar-lhe um bom ensino
e oferecer-lhe um relativo conforto material. A regra do acesso à universidade
pública não é mais totalmente apoiada no conceito do mérito.
A meritocracia consiste que a
escolha de um profissional, ou a ascensão deste para um cargo de maior
importância, é determinada por meio do mérito, ou seja, pelo conhecimento,
pelas conquistas, pela demonstração de valores incontestes quando comparado com
os seus pares. Porém, a meritocracia não é um conceito moderno, haja vista que
Confúcio, que viveu nos anos 551 a 479 a.C, em sua filosofia pregava que a
importância das pessoas deveria basear-se no mérito. No Século II a ideia da
meritocracia foi utilizada pelo imperador chinês Shih Huang-Ti para escolher
funcionários públicos, mas infelizmente os cargos de maior importância ainda
eram entregues aos familiares e amigos do imperador.
No Brasil os concursos públicos
ainda se apoiam na meritocracia, mas paulatinamente vão se incluindo minorias
com reserva de vagas, algumas plenamente aceitas pela sociedade, como aquela
que prevista na Lei 7853/89, regulamentada no Decreto 3298/99, que assegura 5%
das vagas para pessoas portadoras de deficiência. A deficiência física muitas
vezes é atribuída por uma casualidade (a pessoa nasce assim), ou por uma fatalidade
(a pessoa a adquire) e a medicina moderna não é capaz de resolvê-la. Assim, a
condescendência à defecção da meritocracia neste caso ganha matizes de inclusão
social.
Em 1989, ano da efervescência
constitucional, mesmo ano em que se atribuía vagas para portadores de
deficiência no emprego público, é sancionada a Lei 7716 que criminaliza
qualquer conduta discriminatória, ou preconceituosa, por motivo de raça, cor,
etnia, religião ou procedência nacional. Da mesma forma que a Lei 7853 foi muito
bem recepcionada pela sociedade brasileira, a lei 7716 foi imediatamente aceita,
pois apesar de prevista a igualdade entre as pessoas e a liberdade de religião
na nascente Constituição Federal, a criminalização de condutas discriminatórias
também carregava cores de inclusão social. No entanto, não se pode levar toda a
ação de inclusão social por meio da criação de privilégios, ou pela
criminalização da conduta comportamental das pessoas, quando não há certeza
absoluta que o direito constitucional difuso garantido a qualquer cidadão não será
violado.
Nos países escandinavos (Suécia,
Noruega e Finlândia), que reconhecidamente possuem um sistema educacional de
melhor qualidade no mundo, o ensino é público e gratuito (pleonasticamente
falando), inclusive o ensino superior. O sistema de acesso às vagas é por meio
da meritocracia e é impensável haver cotas de ensino, haja vista que a educação
de qualidade é franqueada a todos e não somente aqueles que podem pagar para
ter o privilégio de uma boa educação. Mas não se engane, pois todo esse ensino
de excelência, assim como o acesso a saúde pública de qualidade, é custeado com
os mais altos impostos cobrados no mundo ocidental. A diferença é que cada
centavo pago em impostos pelo cidadão retorna em serviços públicos de excelente
qualidade. Este é o jeito escandinavo de democracia e inclusão social.
O sistema de cotas do ensino
superior no Brasil, travestido de “inclusão social”, na verdade apenas expressa
a incompetência demagógica do governo federal em entregar a população,
independentemente da quantidade de banheiros que se tem em casa, ou mesmo a cor da
pele, um ensino público fundamental e médio de qualidade. A analogia que faço é
de uma comunidade que tenha uma praça que seja comum a todos, cuja área verde é
tomada pelo mato, sujeira e que não recebe a atenção necessária do poder
público para transformá-la em um local aprazível. Cansado de receber tantas
reclamações, o gestor público resolve o problema mandando cobrir a área verde
com concreto. Pronto! Não era exatamente isso que pedia a população, mas é o
que foi entregue de forma arbitrária como solução.
A cada pergunta que minha filha
fazia sobre a quantidade de geladeiras, computadores, automóveis etc., eu
sentia-me culpado por limitar sua oportunidade em ingressar em uma universidade
pública pela quantidade de conforto material entregue a ela. Nada do que possuímos
considero um luxo, mas mesmo que fosse foi adquirido paulatinamente com o esforço
do trabalho desta família e os impostos que pagamos são praticamente entregues a
fundo perdido, pois nos esforçamos para manter nossos filhos adolescentes em
escola particular de boa qualidade e segurança, além de recorrer ao plano de
saúde para ter direito a um tratamento digno quando adoecemos.
Sinceramente, fico com a visão democrática
de inclusão social que ensina as políticas públicas dos países escandinavos.
João Lago.
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont.
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