Esta carta eu escrevi faz oito anos enquanto dividia-me geograficamente entre Brasília e Belo Horizonte. Hoje a relendo tenho a certeza que a escreveria novamente, mas agora muito mais feliz, pois fiquei ainda mais rico de muitas amizades.
Brasília, 29 de janeiro de 2007
Caro(a) Amigo(a).
Nesse último sábado completei quarenta anos e
talvez porque eu esteja emocionalmente fragilizado neste momento pela distância
que me separa de todos aqueles que amo e quero muito, deparei-me fazendo um balanço
dos últimos trinta e seis anos de consciência plena de minha existência, de
minhas lembr anças de menino, de
adolescente e de homem.
Esse balanço, que nada mais é do que
reflexões sobr e meus relacionamentos
e minhas realizações, chegou a constatação lógica que as lembr anças de minha história que temos em comum não foi
marcada pelo tempo de nossa convivência, mas pela intensidade dessa relação
pessoal e como particularmente ficou marcada em minha recordações.
Simplificando, se escrevesse um livro de minhas memórias provavelmente não
haveria uma correlação entre o tempo de convivência e laudas escritas. A
percepção óbvia é que são as intensidades das relações humanas que marcam a
nossa memória e não a sua quantidade. Dessa forma, a quantidade exata de páginas
que escreveria particularmente sobr e
ti, seria na proporção do impacto que o fato de ter-te conhecido modificou o
homem que sou hoje.
Não falarei muito das conclusões que tive
acerca de meus relacionamentos, haja vista que sou feliz com todos os que
tenho, pois são muitas histórias para contar e que não vivi esses quarenta anos
em uma cidadezinha qualquer e de forma tão besta (lembr ando Drummond). Entretanto, falarei um pouco mais
de minhas realizações, cuja conclusão é que foram pífias, mas do ponto de vista
estritamente material, que isso seja bem esclarecido.
Não acumulei patrimônios que poderiam
fazer-me respeitado por aquilo que possuo. Posso exemplificar isso a partir de
um comentário que um amigo me fez no início da semana passada, quando ao passarmos
por um sedan lustroso e equipado, parafraseou: “esse é o carro que separa os
homens dos meninos”. A dita frase poderia ser estendida para uma casa, uma
gorda conta bancária ou qualquer outro bem físico que pudesse representar a
posse de um excelente patrimônio.
Não fui uma criança materialmente rica e hoje
aos quarenta anos não sou um homem rico. Fui de certa forma incompetente em
transformar minha capacidade intelectual em cifras, gordas cifras, revelando em
mim certa frustração momentânea. Assim, se fiquei profundamente satisfeito com
a primeira parte de meu balanço pessoal (meus relacionamentos), fiquei
decepcionado com o segundo (minhas posses). Entretanto, antes que pudesse
lamentar-me mais, percebi que se eu gastasse todas as minhas energias para
acumular dinheiro seria percebido como homem por itens meramente materiais, e
não pela impressão de quem realmente sou. É como se for homem fosse possuir um
carro bonito e que isto abr isse as
portas para conhecer o amor de uma mulher. Nesse ponto digo que durante toda a
minha vida dediquei-me a amar como um menino e não me arrependo um dia sequer
disto.
Talvez se tivesse muito dinheiro e, mesmo
assim, uma vida besta, enveredaria para a filantropia como forma de redenção,
pois esse é o caminho verdadeiramente positivo que qualquer um pode chegar,
ficando em paz com a sua consciência, ao invés de somente reclamar que os
impostos que se paga não retorna revertido na melhoria da sociedade e ponto.
Felizmente a filantropia não se resume somente em fazer doações, já que existe
a carência de voluntários nos mais variados projetos sociais, ou seja, o
importante é continuar indignando-se e agindo. Assim, de uma forma ou de outra,
indignar-se continuará sendo a centelha básica de toda a ação social.
Termino esta mensagem dizendo que me sinto
muito feliz e em paz comigo mesmo, na consciência de um homem, na simplicidade
de um menino que busca nas pessoas a inspiração necessária para o exercício do
amor e da compreensão humana. Portanto, neste momento, tenho um capítulo
especial gravado em minha história graças a ti.
Quero muito agradecer-te por ser meu(minha)
amigo(a).
João Lago
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