Quando amamos não conseguimos nos ver apartado do ser amado, assim
como não nos preparamos para perder a quem se ama. Nesta perspectiva, da
possibilidade de viver um luto precoce, vou contar uma história de
minha infância, de uma criança que sofreu imensamente com a
possibilidade de perder a quem mais amava na vida.
Meu avô João Pinheiro passava a impressão de ser um homem sisudo,
talvez pela compleição de sua face passasse esta ideia, ou mesmo para
com suas duas filhas fosse um pai severo, mas para comigo jamais tive
esta percepção. Como achar que esse homem era bruto quando me chamava de
“Junico do Vovô”, ou mesmo quando, nos finais de tarde, na varanda de
sua casa me colocava sobre suas pernas e me fazia cavalgar em campos
imaginários?
Eu era o seu astronauta, que corria de seus braços para alçar voos
planetários entre a sala e a cozinha. Ele observava e ria, ao mesmo
tempo que me chamava de “meu cientista”. Um homem profundamente apegado
as letras, mas que, formalmente, não havia concluído o primário. Porém,
para mim, era o mais astuto avô que uma criança poderia ter, quando me
incentivava a gostar de estudar dizia: “Cuidado, quem não estuda puxa
carroça”. E para dar o exemplo, sempre se acompanhava de um volume de
uma enciclopédia para passar o tempo.
Certa vez, quando minha mãe entrou para reclamar das malcriações de
meu irmão mais velho, meu avô bradou: “Se tu estivesse, assim como eu,
cercada de livros, não me vinhas aqui falar dessas coisas”. Ele era
assim, a pura concepção que os avôs amorosos verdadeiramente atrapalham a
educação dos netos.
Eu o amava profundamente e logo percebi que ele não me acompanharia
por muito tempo, passando a angustiar-me com o fato de que nascemos em
tempos opostos. Nos finais de tarde, quando ele demorava para voltar
para casa, eu ficava impaciente, perguntava para minha avó se ele havia
dito que iria demorar e não sossegava até vê-lo chegar na soleira da
porta. Assim, dia após dia, aos poucos eu o imaginei não chegando em
casa, o via morto, longe de mim, inexorável apartado de minha vida.
Quando finalmente ele se foi, eu não consegui chorar, pois tantas
vezes eu o havia pranteado em minha mente ao ponto de não conseguir
verter, em suas exéquias, uma lágrima de despedida. Isto não significava
dureza de meu coração, mas apenas que eu pensava já estar conformado de
véspera. Porém, foi aí que conheci o que é a saudade, pois no dia
seguinte, quando o entardecer avançava, aproximando-se a hora de sua
chegada habitual em casa, enfim bateu-me o desespero de não poder tê-lo
mais em meus braços e chorei, chorei, chorei copiosa e
inconsolavelmente.
Não cresci ao lado de meu pai, que se separou de minha mãe eu ainda
muito pequeno. Então foi por meio de meu avô que conheci o exemplo de
figura paterna que até hoje me acompanha como referência em minha vida.
No entanto, meu também falecido pai João Lago, apesar de distante de
mim, ele foi para minhas irmãs no Rio Grande do Sul o que João Pinheiro
havia sido para mim em Manaus.
Aproximando-se o dia dos pais, a lembrança de meu avô sempre retorna
com bastante intensidade, que demonstra para mim que a saudade de quem
se ama nunca termina, apenas esmorece com o passar do tempo, na certeza
do que é irremediável, remediado está. Contudo, o que importa é que
conheci o amor de pai e levo comigo uma lembrança paterna, pois um pai
pode ter as mais variadas faces e o meu avô foi apenas uma delas.
João Lago
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont.
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