sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011
Opinião: Como construir nosso Capital Social
Imagine um sujeito que idealize um projeto de vida baseado na concepção do velho ditado popular de plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. Assim, na juventude ele planta a árvore e diz para todos: “Dei o pontapé inicial em meu projeto de vida!”. No entanto, a muda que ele plantou ficou esquecida, veio as ervas daninhas e a cobriu, veio alguém e a cortou achando que tudo fosse mato. Apesar disto, o sujeito vai continuar dizendo que “deu o pontapé inicial”. Ora, mesmo nos planejamentos mais simplórios espera-se que haja um mínimo de conhecimento, visão sistêmica, comprometimento e busca pela eficácia, ou melhor dizendo: Quem planta uma árvore deverá ser também um bom jardineiro ao ponto de estar comprometido com os frutos que irá colher, pois poderá saciar seus filhos com eles, ou mesmo repousar a sombra dela para escrever o seu tão planejado livro.
Nos últimos tempos tenho desenvolvido certa ojeriza desta estória de dizer que “foi dado início”, ou “dado pontapé inicial”, ou qualquer outra coisa que o valha, pois via de regra é deboche, engodo, ou incompetência. Já estamos ficando cansados disto não é verdade? No entanto, isto não acontece somente em nosso “microcosmo”, pois se trata de uma reprodução nefasta de um marketing fajuto que vemos disseminado por aí. Por exemplo, um político pregoa a construção de uma escola e anuncia no rádio, televisão e aos quatro ventos que na gestão dele a educação “agora vai”. No entanto, passa o tempo, a pintura desgasta, a cadeiras vão quebrando, o bebedouro já não gela, falta giz, o material de limpeza não é comprado e a escola é esquecida e sucateada. Não existe planejamento suficiente, tão pouco compromisso que sustente um projeto no longo prazo.
O que eu mais refuto nesse tipo de comportamento, é que infelizmente parece cada vez mais crescente na sociedade brasileira a falta de planejamento e comprometimento, que são fatores do atraso social que tanto nos assola. Uma prova disto é que os órgãos representativos do cidadão, tais como sindicatos de trabalhadores, associações de moradores, associações de bairro etc., seguem alheios a participação popular, transformando-se em palanque eleitoral de políticos que efetivamente pouco contribuem para a melhoria do Capital Social. Isto significa que a população por desconhecer o seu papel como protagonista nas mudanças sociais, acaba por construir uma falsa ideia que sempre haverá um “salvador da pátria” que irá resolver todos os seus problemas. Logicamente, esta ideia vem sendo aproveitada por políticos populistas na veiculação de seu marketing, bem como na estratégia de infiltração de pelegos e vassalos, adeptos deste tipo de comportamento fisiológico, nas associações, sindicatos, agremiações representativas de classe etc. Olhe ao redor e veja se isto não está acontecendo neste instante bem perto de você?
Quando escrevo sobre Capital Social para construir esta reflexão, busco apoio no resultado das pesquisas de Robert Putnam que assevera que quanto maior a capacidade das pessoas se associarem em torno de interesses comuns, melhores as condições de desenvolvimento da sociedade. Putnam descreve, em seu livro Making Democracy Work¹, que após uma pesquisa longitudinal realizada em duas décadas de estudo comparativo de desempenho institucional em regiões do norte e do sul da Itália, verificou fortes evidências entre o Capital Social e desempenho institucional. Isto significa que na região norte, na qual a população tinha consciência e praticava seu protagonismo político, havia também um melhor desempenho do governo. Já na região sul, onde os vínculos de relacionamento cívico eram mais incipientes, o desempenho governamental era menos eficaz.
Deixando a Itália de lado e voltando ao nosso quintal, construindo um raciocínio a respeito da junção entre comprometimento e Capital Social, é difícil para mim acreditar que aqueles que pregam que os amigos políticos tudo irão resolver e tentam empurrar esta visão de fazer política goela abaixo, possam estar comprometidos verdadeiramente com o progresso social. Ideologicamente para mim, quanto mais alguém se posiciona a todo o custo como “amigo do rei”, mais acaba distanciando-se dos anseios da sociedade, pois na verdade cria-se um conflito entre os seus interesses pessoais e os da comunidade, com o poder de criar uma acomodação em todo o grupo. Este viés da inação é o mais deletério deste círculo vicioso que se forma, porque não permite que os membros da comunidade discutam domesticamente os seu próprios caminhos, criando dependência visceral com o padrinho político.
O que eu desejo demonstrar nesta resenha é o poder nefasto do loteamento da representatividade comunitária por políticos, pois induz o relaxamento do protagonismo social, no qual a cada eleição aparece um novo “benfeitor” e as mudanças sociais que desejamos para a segurança, saúde, educação, transporte, emprego etc., demoram muito a chegar. Há aqueles que pensam que basta votar e se o sujeito não der conta, deixam de votar nele na próxima eleição, mas isto é um ledo engano, pois cada vez mais o marketing político, ou pior ainda, a falsa informação e mentiras, vão construindo uma imagem e cenários que não condizem com a realidade dos fatos. Se não é desta maneira, então por que tantos políticos são donos de rádios, jornais e canais de TV? É que chamou o pesquisador Venício Lima de “coronelismo eletrônico” (leia artigo anexo). E todo bom coronel tem ao redor de si diligentes capatazes, prontos para agir em nome de seu senhor.
O verdadeiro Capital Social somente é construído quando há completa independência entre os grupos comunitários e o poder constituído, pois a história demonstra que a efetiva participação popular impulsiona mudanças, destitui governos, refletindo (para o bem, ou para o mal) o que deseja a sociedade.
João Lago
Administrador, professor universitário e morador do Conjunto Santos Dumont.
Referência Bibliográfica:
- Lima, Venício. As concessões de radiodifusão como moeda de
barganha política. Pag. 26-33. Revista Adusp, Jan 2008
Download:
- PUTNAM, R. Making Democracy Work: Civic Traditions in Modern Italy. Princeton:
Princeton University Press, 1993
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