A visão que eu
tenho do paraíso é antagônica daquela que expulsou Adão e Eva do
jardim do Éden pela desobediência ao comer o fruto proibido. Afirmo
isto porque a perda da inocência, ou melhor dizendo, a ascensão da
malícia os fez perceber que estavam despedidos e o meu modelo mental
de paraíso é justamente o retorno a uma visão não maliciosa de
nós mesmos e dos outros.
Pensemos em alguém
que podemos identificar como malicioso, ou maliiciosa, já que essa
característica parece estar muito bem distribuída e equilibrada
entre os dois sexos. Porém, antes de continuar a descrever minha
visão de paraíso vejamos no dicionário a definição de “malícia”:
1. aptidão ou
inclinação para fazer o mal; má índole; malignidade, maldade.
2. habilidade para
enganar, despistar; astúcia, ardil, manha.
Agora que sabemos o
significado lato de malícia imaginemos um local de total ausência
de todos esses termos e eis aqui minha visão de paraíso, pois o
fastio da malícia nos permitiria observar todas as manifestações
humanas, inclusive a nossa, sem a inclinação para a perversidade.
Assim, se ao comer o fruto proibido a nudez é motivo de lascívia, o
meu retorno ao paraíso é aquela que não vê obscenidade no corpo
humano e todas as taras perderiam os que as alimenta: a malícia.
No entanto, a
malícia parece somente existir na vida em sociedade, pois acredito
ser um pouco absurdo alguém ser malicioso consigo próprio. A
maldade em si ocorre somente a partir de nossas relações com o
mundo e o julgamento que fazemos daquilo que percebemos. Contudo, o
julgamento malicioso não é a expressão da maldade enquanto
restrita a simples manifestação da palavra, mas é maligna quando
indutora de ações perversas e é bem verdade que todos nós
carregamos malícias no pensamento e mente aquele que diz que não a
tem. No entanto, o grande problema é quando deixamos esses
pensamentos nefastos dominarem por completo nossas palavras e ações.
Hannah Arendt, uma
filósofa judia alemã que foi testemunha dos horrores do nazismo
apontou a banalização do mal no totalitarismo que busca no controle
das ações humanas o alinhamento com as maldades que emanam do líder
totalitário. Não há o respeito pela individualidade e a destruição
de todas as instituições como sindicatos, escolas, associações,
igrejas, famílias etc. que sejam contrários se faz necessário para
que a maldade seja banalizada e incorporada com uma ação
necessária.
A malícia está nas
ações de governos e de algumas empresas que estão sob o comando de
gente que personificam a maldade e tentam justificá-la como
necessária a um interesse difuso, quando na verdade o preço da
destruição das organizações de interesse difuso será para o
benefício de uma coletividade que aderiu ao mal. Por isso destroem
entidades que defendem a cultura, a ciência (universidades
inclusas), as de proteção ambiental, as de interesse de grupos
étnicos (índios inclusos) e buscam retirar das leis proteções
trabalhistas argumentando que são boas e necessárias aqueles que
justamente serão os mais prejudicados.
Embora o rol de
maldades parecesse não promover diretamente a destruição das
famílias, eis que a covid-19 vem escancarar que em prol da malícia
que existe nessa gente é necessário que pessoas devam morrer por um
suposto benefício econômico que no final de tudo não será
garantia de êxito, mas é certo que já deixou famílias destroçadas
pela perda de alguém muito importante em laço afetivo e, ou
material. Famílias que perderam para a covid-19 o principal, ou
membro importante para o sustento familiar e que provavelmente terão
que enfrentar privações, perdas de patrimônio e de qualidade de
vida em benefício de um projeto político e de poder que tem sua
raiz na malícia. Governos quando expõem as famílias a um contato
forçado com um vírus que não possui remédio ou vacina pode ser
sim chamados de genocida e muitas dessas decisões ainda serão
levadas aos tribunais pedindo reparação por todas essas mortes
(hoje mais de 85 mil).
Alguns governos e
empresas estão obrigando os declarados grupos de risco e de pessoas
que coabitam com grupos de risco o retorno ao trabalho, ou seja,
aqueles mais propensos a morrer de covid-19 estão sendo forçados a
serem exporem ao vírus, ou mesmo de levar a doença para um parente
idoso ou qualquer outro que tenha comorbidades que favoreçam a forma
mais grave da doença. Quem tem mais de 60 anos costumam a ser os
mais vulneráveis, pois possuem um sistema imunológico mais
enfraquecido e toda aquela polêmica inicial de isolamento vertical
ou horizontal agora está sendo reduzida a uma única via: a da
completa exposição de todos e que morram aqueles que tem que morrer
mesmo. Se essa ação de governos e empresas não é uma ato genocida
então precisamos urgentemente revisar a história e absolver os
condenados no tribunal de Nuremberg. Outro ponto importante é
esclarecer que aqueles mais propensos a morrer são os que dependem
de um hospital público, haja vista que as estatísticas dizem que a
taxa de cura é 50% em hospitais privados, ou seja, novamente é a
base da pirâmide social que mais tem a perder, inclusive a própria
vida.
Finalizando, quando
o Supremo Tribunal Federal determinou que as políticas de isolamento
deveriam ser promovidas pelos governos estaduais e municipais foi por
meio da perspectiva que o Brasil, por ter característica
continental, obviamente em suas regiões geográficas haveria graus
diferenciados de infecção e de controle da pandemia. O que fez, por
exemplo, que Manaus fosse a primeira capital a colapsar o sistema
público e privado e também a primeira, depois de quatro meses, a
ter pouco menos de 50% de ocupação das UTIs. Infelizmente, algumas
cidades começaram a viver o drama manauara e uma delas Ribeirão
Preto, uma das mais ricas cidades do noroeste paulista que começou a
colapsar. Essas diferenças de distintos momentos da pandemia nas
regiões brasileiras faz que a média das mortes permaneça estável
em mais de mil mortes diárias, pois quando um capital apresenta
melhora, como o caso de São Paulo e Manaus, os casos explodem no
interior sendo mais dramático em São Paulo devido ao tamanho de sua
população.
Quando uma empresa
ou entidade federal que tem funcionários em várias cidades de
regiões brasileiras determina que os grupos de risco, ou aqueles que
coabitam com esses retornem ao trabalho, ignoram justamente os
diversos momentos que vivem as regiões brasileiras e expõem seus
funcionários e familiares ao elevado risco de morte.
A malícia que
carregam as ações de governos e de empresas simplesmente aumentam a
sensação que vivemos em um inferno de longa duração e que tem por
finalidade admitirmos que tudo isso foi inevitável e nos vejamos
tacitamente banalizando o mal. Não podemos ser vencidos pelo cansaço
e o nosso retorno ao paraíso passa pela constatação que eles é
que estão sem roupa e por mais que se apoiem na mentira toda a sua
malícia está exposta.
João Lago