Um ditado popular
diz que “a vida imita a arte”, mas a bem da verdade, anterior a
existência das artes está o que chamamos de vida humana. Nas
cavernas o homem pré-histórico já deixou nas paredes as pinturas
rupestres que é uma evidência que desde muito tempo é a arte que
imita a vida.
Existe um filme de
1993, chamado O Dossiê Pelicano do diretor Alan Pakula, que conta a
história de uma estudante de direito que desvenda o assassinato de
dois juízes da Suprema Corte dos EUA. O roteiro foi construído,
assim como ocorre no Brasil, no fato do presidente indicar os membros
do Supremo e que, a depender das convicções do indicado, as
decisões de determinado tema podem ser manipuladas. O filme conta a
história de um empresário mafioso, aliado a advogados bandidos, que
assassinam dois juízes da suprema corte para que o presidente
pudesse indicar substitutos que fossem favoráveis a revogação da
proteção ambiental de um santuário ecológico.
Na trama o
presidente estadunidense estava sendo manipulado a partir da amizade
que possuía com o empresário mafioso, além do fato de haver
recebido ajuda financeira para sua campanha advinda do mesmo. O
presidente não sabia dos assassinatos, mas com a exposição dos
fatos desiste de concorrer a reeleição e é aconselhado a indicar
para a corte dois novos juízes com profunda inclinação para as
causas ambientais. É importante salientar que na trama a estudante
de direito perseguida consegue ajuda e proteção de um jornalista
que compreende a gravidade dos fatos e expõe o crime para o público.
Na mesma linha de
bandidagem, o filme brasileiro “Tropa de Elite 2” de 2010,
dirigido por José Padilha, aborda o envolvimento de políticos
corruptos ligados a milicianos em uma simbiose de proteção mútua,
seja no apoio político e financeiro para campanhas políticas ou
pela eliminação de adversários que são assassinados pelos
milicianos. Aqueles cidadãos de bem que assistiram ao filme de
Padilha provavelmente não torceram nem para os milicianos, tão
pouco para os políticos corruptos e devem ter vibrado com a vitória
do Capitão Nascimento contra a bandidagem imiscuída na política e
na polícia.
No filme O Dossiê
Pelicano, apesar de políticos poderosos, advogados renomados e
empresários com grande poder econômico, uma simples e desconhecida
estudante de direito, com o auxílio de um jornalista diligente e
independente, destruiu toda uma trama criminosa que teria sucesso se
não houvesse uma imprensa livre capaz de expor qualquer fato sem
censura, apesar do poder e influência dos atores envolvidos. Na obra
dirigida por José Padilha, o capitão Nascimento, agora como
secretário de segurança pública, consegue ajuda de um parlamentar
da oposição para agir politicamente contra as milícias do Rio de
Janeiro por meio de uma Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI,
porém no final há uma grande queima de arquivo (leia-se assassinato
de envolvidos) e os políticos corruptos acabam reelegendo-se.
Diferentemente do filme estrangeiro o cinema nacional foi mais
verosímil a nossa realidade.
Em um país a
existência de uma imprensa livre e de políticos de oposição é
uma demonstração de maturidade democrática. Assim, quem apoia os
discursos pedindo a supressão da liberdade de imprensa e a
perseguição e eliminação da oposição em tese tem tudo para
torcer para os bandidos de O Dossiê Pelicano e de Tropa de Elite 2.
Também parece óbvio que as instituições democráticas somente
podem funcionar se atuarem de forma independente e delimitadas em
suas competências constitucionais. O poder executivo não é mais
importante que o legislativo e judiciário, tão pouco dos dois
últimos mais importantes entre si, nem existe hierarquia de
relevância entre os três. Quanto a imprensa, apesar de não ser um
poder constituído, sua existência e proteção está prevista na
Constituição Federal – CF em seu artigo 220 e a antiga Lei de
Imprensa, editada durante a ditadura militar, que nitidamente foi
elaborada para constranger e ameaçar jornalistas, em decisão do
Supremo Tribunal Federal – STF em 2009 foi considerada não
recepcionada pela CF de 1988.
Em tempos atuais,
parece que roteiro da vida real, que foi construído envolvendo
políticos corruptos, milicianos, advogados e empresários com grande
inclinação para o mundo do crime, não passa ao largo do que foi
retratado no cinema. Contudo, uma parte da plateia tende a torcer
descaradamente para os bandidos, ou mesmo coloca em dúvida o que
demonstra ser a verdade dos fatos.
O que faz uma parte
da população ainda não acreditar no que está sob os seus olhos
não virá por meio de uma resposta fácil, pois este fenômeno não
é motivado por uma única variável, mas arrisco dizer que há um
desgaste do politicamente correto e um esgarçamento de valores
cristãos por determinados grupos que tem os seus atos “glamorizados”
por certos políticos, artistas e jornalistas. É importante acima de
tudo que o respeito a ética seja restabelecido e perceber que não
dá para continuar ignorando a relativização dos valores. A onda
pseudoconservadora que assolou o Brasil e que culminou na eleição
de Bolsonaro ainda não passou, mas é certo que muitos que ajudaram
a elegê-lo perceberam que Bolsonaro não é aquilo que dizia ser,
ainda fosse óbvio que Bolsonaro sempre foi o que é que não
abandonaria sua essência. Aqui também vai uma dica: antes de
intitular-se conservador, procure pesquisar o que é o
conservadorismo para, pelo menos, entender porque ao tentar ser
conservador venha a ser rotulado de fascista ou de coisa pior.
Procure também estudar o que seja o fascismo.
O escorpião, apesar
de perigoso, é um animal de hábito noturno, que vive escondido e
não oferece muito risco. Porém, se inadvertidamente for pisado, ou
a mão penetrar onde esteja escondido, fatalmente ele picará o
incauto porque inocular veneno é da essência quando se sente
ameaçado. Não se engane, o escorpião é uma praga que resiste ao
veneno que mata baratas e insetos. Na verdade o escorpião é um
parente mais robusto de uma aranha, sendo capaz de resistir até
mesmo a radiação que mata um ser humano.
A sociedade
brasileira colocou o escorpião no meio da sala e sinceramente assim
como não dá para torcer para o bandido das telas do cinema, também
parece não ser salutar crer que o escorpião possa mudar em sua
essência.
João Lago.