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terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Amores Stalinistas

Foi-se o tempo que as nossas lembranças eram guardadas em álbuns de recordações, pois com o advento das redes sociais a maioria já não imprime suas fotos. O Facebook, Instagram etc., passaram a ser o álbum vivo da trajetória de vida de muitas pessoas. Isto quer dizer que se alguém quiser no futuro pesquisar a vida de outrem, será muito provável que pesquise nessas plataformas, além de outras como Twitter, Linkedin etc. Hoje até Donald Trump utiliza o Twitter como meio de comunicação e esse microblog teve que flexibilizar sua política de uso para o presidente dos EUA. Essa polêmica se deu quando o presidente estadunidense ameaçou a Coreia do Norte e ameças são excluídas, mas isso vale para qualquer outro mortal, menos para o presidente dos EUA. Neste caso, o Twitter não excluiu a postagem por atribuir a mesma o peso de uma notícia relevante, ou seja, uma declaração que no futuro merecerá ser citada como um registro histórico. O dilema entre excluir ou manter está ligado ao fato que as declarações que possam ter repercussão jornalística não podem ser perdidas. Porém, será que isto somente tem valor para pessoas públicas? Como as pessoas comuns tratam a produção de conteúdo de suas próprias vidas? Mas, antes de desenvolver uma reflexão acerca disto vamos relembrar um fato do Século passado.

A pesquisa histórica sobre os líderes da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, sem qualquer sombra de dúvidas, a personagem mais polêmica foi Josef Stalin, principalmente pela perseguição aos inimigos do regime comunista que eram sumariamente eliminados. Contudo, não eram somente as figuras anônimas vítimas de perseguição, pois o regime de terror também não perdoava nem mesmo os aliados. Esses poderiam subitamente transformarem-se em inimigos e assassinados. Porém, os mais íntimos que participaram do círculo de poder tinha uma condenação adicional além da pena de morte: o esquecimento. Isto se dava pela eliminação do indivíduo nos registros históricos, até mesmo das fotos oficiais que eram retocadas manualmente para que desaparecessem. Assim, era uma surpresa bizarra comparar fotos antigas com as fotos divulgadas como oficiais da história do partido comunista, pois as pessoas simplesmente desapareciam.

Os álbuns de famílias são peças em desuso, mas quando eram comuns não havia a preocupação em descartar as fotos de relacionamentos passados, pois como geralmente jaziam em uma gaveta, normalmente olhar as fotos antigas era motivo de riso, ou até mesmo de alívio porque determinada pessoa passou e não ficou. Porém, nos relacionamentos modernos, em que o álbum deixou de ser privado e agora é virtual e disponível nas redes sociais, os namoros, casamentos etc., antes festejados e emoldurados com juras de amor, ao final do relacionamento o ser outrora amado é sumariamente apagado. Esse processo de higienização é muito parecido com a preocupação de Josef Stalin em apagar dos registros históricos todos os seus desafetos. As pessoas simplesmente surgem ganhando destaque nos registros fotográficos e, logo em seguida, desaparecem. Essa amnésia programada assemelha-se muito ao que dizia um velho amigo quando falava de seus relacionamentos: “quando conheço uma mulher no máximo serei o terceiro homem da vida dela, pois de forma sumária os outros amores com menos destaque são condenados ao esquecimento”. E completava: “jamais encontrei uma mulher que diga que antes de mim ela namorou muitos”. Certa vez também ouvi de uma amiga que entre os que considerava namorados existiam os “plim-plim”, ou seja, algo menor e totalmente desprovidos de nome. É o tal do senso comum e se restam dúvidas disto basta uma pequena enquete entre algumas pessoas conhecidas e que sejam capazes de dar uma resposta sincera.

Negar o próprio passado é como se negasse a própria história de vida, mas quem se preocupa em escamotear sentimentos passados, antes deveria preocupar-se com o Erro 404, no qual as informações contidas na internet simplesmente desaparecem. Nesses casos, seria bem menos hipócrita (e seguro para recordações) deixar os registros românticos no velho e antiquado álbum de retratos.


João Lago.

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