Foi-se
o tempo que as nossas lembranças eram guardadas em álbuns de
recordações, pois com o advento das redes sociais a maioria já não
imprime suas fotos. O Facebook, Instagram etc., passaram a ser o
álbum vivo da trajetória de vida de muitas pessoas. Isto quer dizer
que se alguém quiser no futuro pesquisar a vida de outrem, será
muito provável que pesquise nessas plataformas, além de outras como
Twitter, Linkedin etc. Hoje até Donald Trump utiliza o Twitter como
meio de comunicação e esse microblog teve que flexibilizar sua
política de uso para o presidente dos EUA. Essa polêmica se deu
quando o presidente estadunidense ameaçou a Coreia do Norte e ameças
são excluídas, mas isso vale para qualquer outro mortal, menos para
o presidente dos EUA. Neste caso, o Twitter não excluiu a postagem
por atribuir a mesma o peso de uma notícia relevante, ou seja, uma
declaração que no futuro merecerá ser citada como um registro
histórico. O dilema entre excluir ou manter está ligado ao fato que
as declarações que possam ter repercussão jornalística não podem
ser perdidas. Porém, será que isto somente tem valor para pessoas
públicas? Como as pessoas comuns tratam a produção de conteúdo de
suas próprias vidas? Mas, antes de desenvolver uma reflexão acerca
disto vamos relembrar um fato do Século passado.
A
pesquisa histórica sobre os líderes da extinta União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas, sem qualquer sombra de dúvidas,
a personagem mais polêmica foi Josef Stalin, principalmente pela
perseguição aos inimigos do regime comunista que eram sumariamente
eliminados. Contudo, não eram somente as figuras anônimas vítimas
de perseguição, pois o regime de terror também não perdoava nem
mesmo os aliados. Esses poderiam subitamente transformarem-se em
inimigos e assassinados. Porém, os mais íntimos que participaram do
círculo de poder tinha uma condenação adicional além da pena de
morte: o esquecimento. Isto se dava pela eliminação do indivíduo
nos registros históricos, até mesmo das fotos oficiais que eram
retocadas manualmente para que desaparecessem. Assim, era uma
surpresa bizarra comparar fotos antigas com as fotos divulgadas como
oficiais da história do partido comunista, pois as pessoas
simplesmente desapareciam.
Os
álbuns de famílias são peças em desuso, mas quando eram comuns
não havia a preocupação em descartar as fotos de relacionamentos
passados, pois como geralmente jaziam em uma gaveta, normalmente
olhar as fotos antigas era motivo de riso, ou até mesmo de alívio
porque determinada pessoa passou e não ficou. Porém, nos
relacionamentos modernos, em que o álbum deixou de ser privado e
agora é virtual e disponível nas redes sociais, os namoros,
casamentos etc., antes festejados e emoldurados com juras de amor, ao
final do relacionamento o ser outrora amado é sumariamente apagado.
Esse processo de higienização é muito parecido com a preocupação
de Josef Stalin em apagar dos registros históricos todos os seus
desafetos. As pessoas simplesmente surgem ganhando destaque nos
registros fotográficos e, logo em seguida, desaparecem. Essa amnésia
programada assemelha-se muito ao que dizia um velho amigo quando
falava de seus relacionamentos: “quando conheço uma mulher no
máximo serei o terceiro homem da vida dela, pois de forma sumária
os outros amores com menos destaque são condenados ao esquecimento”.
E completava: “jamais encontrei uma mulher que diga que antes de
mim ela namorou muitos”. Certa vez também ouvi de uma amiga que
entre os que considerava namorados existiam os “plim-plim”, ou
seja, algo menor e totalmente desprovidos de nome. É o tal do senso
comum e se restam dúvidas disto basta uma pequena enquete entre
algumas pessoas conhecidas e que sejam capazes de dar uma resposta
sincera.
Negar
o próprio passado é como se negasse a própria história de vida,
mas quem se preocupa em escamotear sentimentos passados, antes
deveria preocupar-se com o Erro 404, no qual as informações
contidas na internet simplesmente desaparecem. Nesses casos, seria
bem menos hipócrita (e seguro para recordações) deixar os
registros românticos no velho e antiquado álbum de retratos.
João
Lago.
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