sábado, 26 de janeiro de 2019
A procura da caixa preta de Brumadinho
Em
30 de junho do ano passado o sítio na internet FlightRadar24
registrou duzentos e vinte e dois mil aviões cruzando o céu do
planeta, com uma estimativa de trinta milhões de passageiros voando
para algum destino. Essa quantidade de gente é muito maior que a
população de todo o estado de Minas Gerais que em 2018 registrava
pouco mais de vinte milhões. Apesar da quantidade de passageiros
transportada em voos comerciais, ainda assim não se tem notícia de
qualquer acidente aéreo nesse dia, bem como em todo o mês de junho que envolva mais de uma dezena de vítimas.
Sem qualquer sombra de dúvidas o transporte aéreo é o mais seguro
do mundo e morre-se mais em acidentes rodoviários. Porém, sempre
que somos surpreendidos com acidentes aéreos, ficamos comovidos,
quando eventualmente a queda de uma aeronave envolve um grande número
de pessoas, criando uma sensação de insegurança e medo.
A
segurança no transporte aéreo não acontece por acaso, mesmo porque
são poucos os fabricantes de aeronaves no mundo e a certeza do
transporte seguro é que faz que milhões de pessoas no planeta escolha
viajar de avião. A investigação profunda das causas de acidentes
aéreos e investimentos em sistemas redundantes de precaução de
sinistros, prevendo que havendo falhas seja possível que outro
sistema entre em ação em contingência a fim de evitar o desastre.
A existência das “caixas pretas” e até mesmo a reconstituição
peça por peça de uma aeronave acidentada para entender as causas do
acidente são medidas cruciais para aumentar a segurança do
transporte aéreo. Com tudo isso, aprende-se com os erros,
aprimorando a tecnologia de fabricação de aviões e havendo falha
humana investe-se ainda mais em sistemas redundantes e no treinamento
de pilotos em simuladores de voo. A segurança de voo é construída
por uma indústria que depende de outros atores que estão além dos
hangares de montagem de aviões, mas, ainda assim, apesar da
complexidade sistêmica compreende-se que um acidente deve servir de
alerta para que idêntico erro não se reproduza no futuro.
A
Vale S/A, uma das poucas multinacionais brasileiras, ao inverso da
indústria aeronáutica é senhora absoluta do controle da sua
própria segurança. Isto significa que o investimento no
monitoramento de falhas não depende de fatores externos, mas de uma
atuação pontual e discricionária da mineradora. Lembro que quando
aquele prédio em São Paulo em maio de 2018 pegou fogo e desabou,
bombeiros instalaram no prédio ao lado, que corria risco de ruir, um
detetor a laser que monitorava qualquer mínima vibração que
pudesse indicar risco de desmoronamento. Países como Japão e Chile,
localizados em regiões sujeitas a terremotos, adaptaram a tecnologia
da construção civil no sentido de criar prédios que resistam a
tremores de terra e, por outro lado, investem em treinamento da
população de como agir durante terremotos. Localidades nos EUA,
sujeitas a tornados, incentivam a população a criar abrigos
subterrâneos para que a vida seja preservada, pois é certo que o
fenômeno natural quando acontece destrói tudo que encontra pelo
caminho. Todos esses exemplos, e tantos outros que possam ser
citados, não impedem os danos materiais, mas certamente poupariam
vidas se empregados nas regiões que estejam no caminho de vazamento de
dejetos, caso haja rompimento de barreiras. Se a Vale tivesse colocado
em seu refeitório um abrigo subterrâneo com cilindros de oxigênio
que durassem pelo menos 72h, certamente haveria tempo suficiente para
que as equipes de resgate pudessem socorrer as vítimas da tragédia.
Ao mesmo tempo, se sensores fossem instalados, e que estivem ligados
a uma rede de sirenes e de informação instantânea de perigo,
também haveria menos perdas de vidas. Igualmente não creio que a
população que esteja no caminho de qualquer eclosão de barreiras
tivessem passado por qualquer tipo de treinamento de evacuação do local patrocinado pela
Vale ou por qualquer organismo governamental. Duvido que na pousada
soterrada havia informação que aquela localidade estava na zona de
perigo de uma possível (mas muito provável como se demonstrou) rota
de destruição no caso de rompimento de uma barreira. A única
certeza que podemos ter é a da ignorância no sentido lato da
palavra. As pessoas estão sobre verdadeiros barris de pólvora e a
conclusão a que chegamos é da omissão e incompetência da Vale,
dos órgãos de controle do estado e da total ignorância da
população atingida.
Novamente
uma tragédia nos chama atenção e repete-se em Minas Gerais,
envolvendo outra vez a Vale S/A. Parece-nos que o sinistro ocorrido
em Mariana não foi suficientemente didático para prevenir novos
acontecimentos. Esperamos sinceramente que a lição tenha sido
aprendida de uma vez por todas, inclusive desmitificando que as
questões de segurança e de controle ambiental atrapalhem as
empresas. Os fatos como de Mariana e Brumadinho são a ponta do
iceberg de todas as demais tragédias, seja de pequena ou grande
monta, que a frouxidão do controle ambiental e da segurança podem
trazer em curto ou longo prazo, seja nas montanhas de Minas Gerais,
nas boates de regiões metropolitas (Canecão Mineiro e Boate Kiss
são exemplo disto) ou na dimensão da biodiversidade amazônica.
João
Lago
terça-feira, 22 de janeiro de 2019
Amores Stalinistas
Foi-se
o tempo que as nossas lembranças eram guardadas em álbuns de
recordações, pois com o advento das redes sociais a maioria já não
imprime suas fotos. O Facebook, Instagram etc., passaram a ser o
álbum vivo da trajetória de vida de muitas pessoas. Isto quer dizer
que se alguém quiser no futuro pesquisar a vida de outrem, será
muito provável que pesquise nessas plataformas, além de outras como
Twitter, Linkedin etc. Hoje até Donald Trump utiliza o Twitter como
meio de comunicação e esse microblog teve que flexibilizar sua
política de uso para o presidente dos EUA. Essa polêmica se deu
quando o presidente estadunidense ameaçou a Coreia do Norte e ameças
são excluídas, mas isso vale para qualquer outro mortal, menos para
o presidente dos EUA. Neste caso, o Twitter não excluiu a postagem
por atribuir a mesma o peso de uma notícia relevante, ou seja, uma
declaração que no futuro merecerá ser citada como um registro
histórico. O dilema entre excluir ou manter está ligado ao fato que
as declarações que possam ter repercussão jornalística não podem
ser perdidas. Porém, será que isto somente tem valor para pessoas
públicas? Como as pessoas comuns tratam a produção de conteúdo de
suas próprias vidas? Mas, antes de desenvolver uma reflexão acerca
disto vamos relembrar um fato do Século passado.
A
pesquisa histórica sobre os líderes da extinta União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas, sem qualquer sombra de dúvidas,
a personagem mais polêmica foi Josef Stalin, principalmente pela
perseguição aos inimigos do regime comunista que eram sumariamente
eliminados. Contudo, não eram somente as figuras anônimas vítimas
de perseguição, pois o regime de terror também não perdoava nem
mesmo os aliados. Esses poderiam subitamente transformarem-se em
inimigos e assassinados. Porém, os mais íntimos que participaram do
círculo de poder tinha uma condenação adicional além da pena de
morte: o esquecimento. Isto se dava pela eliminação do indivíduo
nos registros históricos, até mesmo das fotos oficiais que eram
retocadas manualmente para que desaparecessem. Assim, era uma
surpresa bizarra comparar fotos antigas com as fotos divulgadas como
oficiais da história do partido comunista, pois as pessoas
simplesmente desapareciam.
Os
álbuns de famílias são peças em desuso, mas quando eram comuns
não havia a preocupação em descartar as fotos de relacionamentos
passados, pois como geralmente jaziam em uma gaveta, normalmente
olhar as fotos antigas era motivo de riso, ou até mesmo de alívio
porque determinada pessoa passou e não ficou. Porém, nos
relacionamentos modernos, em que o álbum deixou de ser privado e
agora é virtual e disponível nas redes sociais, os namoros,
casamentos etc., antes festejados e emoldurados com juras de amor, ao
final do relacionamento o ser outrora amado é sumariamente apagado.
Esse processo de higienização é muito parecido com a preocupação
de Josef Stalin em apagar dos registros históricos todos os seus
desafetos. As pessoas simplesmente surgem ganhando destaque nos
registros fotográficos e, logo em seguida, desaparecem. Essa amnésia
programada assemelha-se muito ao que dizia um velho amigo quando
falava de seus relacionamentos: “quando conheço uma mulher no
máximo serei o terceiro homem da vida dela, pois de forma sumária
os outros amores com menos destaque são condenados ao esquecimento”.
E completava: “jamais encontrei uma mulher que diga que antes de
mim ela namorou muitos”. Certa vez também ouvi de uma amiga que
entre os que considerava namorados existiam os “plim-plim”, ou
seja, algo menor e totalmente desprovidos de nome. É o tal do senso
comum e se restam dúvidas disto basta uma pequena enquete entre
algumas pessoas conhecidas e que sejam capazes de dar uma resposta
sincera.
Negar
o próprio passado é como se negasse a própria história de vida,
mas quem se preocupa em escamotear sentimentos passados, antes
deveria preocupar-se com o Erro 404, no qual as informações
contidas na internet simplesmente desaparecem. Nesses casos, seria
bem menos hipócrita (e seguro para recordações) deixar os
registros românticos no velho e antiquado álbum de retratos.
João
Lago.
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