Estava conversando com a
psicóloga Dulce Pinheiro da Silva, minha interlocutora mais constante para
assuntos do cotidiano, reportando que duas criaturas que ainda pisam neste
planeta quando abrem a boca para cantar invariavelmente comovem-me: Zizi Possi e Nana Caymmi. Lembro-me que no
último show que assisti de Nana Caymmi em Belo Horizonte eu gritava que a amava
a cada intervalo de música. Amo sua voz e a capacidade de enternecer-me com sua
interpretação, assim como me encanto com a delicadeza sutil da voz de Zizi. Assim,
poderia encaixar-me na categoria de fã de ambas colocando-as em um pedestal
acima de tantas outras, tão boas quanto, mas a predileção é desprovida de razão
absoluta e caminha de braços dados com a minha “leseira baré”, usando uma
expressão muito comum de minha terra.
A polêmica sobre a cobertura
exagerada da imprensa acerca do procedimento cirúrgico no pé de Neymar, com
tomadas ao vivo da porta do hospital, aliada com as manifestações de
solidariedade (#forçaneymar) nas redes sociais, talvez tenha alimentado a
produção de vários “memes” sobre o tema, muitos deles depreciativos a tietagem
e a cobertura da imprensa. É possível
que Neymar seja inocente a tudo isso e mais irracional que a tietagem seria
atribuir ao jogador culpa ao comportamento estapafúrdio dos fãs e da imprensa.
Aliás, dos fãs pode-se perdoar a irracionalidade, mas parcela da imprensa há
muito tempo deixou de somente noticiar o fato, pois passou também a veicular
“jabá” (ou mercadologicamente falando merchandising)
em tomadas jornalísticas quando falam abertamente a marca de um produto
associando-o a notícia. Quantas vezes já observamos um jornalista na porta de
um hospital noticiar: “estamos aqui na porta deste hospital para...”; sem
jamais dizer o nome do hospital. Até quando faz reportagem dentro de empresas
sobre determinado tema específico, diz: “estamos aqui com o gerente de recursos
humanos dessa grande empresa...”; sem revelar de qual empresa tratava-se. Essa
é a lógica mais constante, todavia, a cobertura de certa emissora de TV sobre a
cirurgia de Neymar não cansava de pronunciar o nome do hospital particular, um
dos melhores e mais caro da capital mineira. Essa insistência de menções ao
nome do hospital em todo o noticiário acendeu-me a suspeita (talvez inverídica)
que a emissora de TV tenha afirmado acordo com o hospital para um “jabá” no
intuito de criar reputação positiva nos serviços de médicos fornecidos por
aquele centro de saúde.
Não há nada de errado em uma emissora
de TV usar merchandising em um
programa de entretenimento, mas em um programa jornalístico acredito que isso
possa gerar conflito de interesse e prejudicar o telespectador, pois a
importância da pauta passa não pela relevância do fato, mas por quanto se paga
para que a matéria seja veiculada. Nas revistas de informação, quando uma
matéria tem um patrocinador, é comum vir destacado que se trata de um informe
publicitário, justamente para que o leitor entenda que aquela reportagem está ali
com uma finalidade comercial e não porque tem uma relevância jornalística. O
consumidor merece respeito, principalmente aquele que consome informação, pois
dentre a enormidade de acontecimentos desta aldeia global, o telespectador é um
sujeito passivo e os mais fragilizados intelectualmente podem ser manipulados
pela pauta dos meios de comunicação. Felizmente, existe a internet e os portais
de notícias que produzem conteúdo de informação e, principalmente, as mídias
sociais que não deixam passar em branco quando algo foge do normal.
Podem existir aficionados por
Neymar, assim como me sinto compelido a amar as vozes de Zizi e Nana, mas não
será uma faringite passageira na goela de uma delas que irá tirar-me uma bela
noite de sono.
João Lago.
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