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domingo, 21 de junho de 2015

Gestão Social Integrada



Nesse sábado (20/6), em um evento patrocinado pelo deputado Luiz Castro e coordenado pelo advogado Marcelo Ramos, estivemos reunidos na Escola do Legislativo da Assembleia Legislativa do Amazonas para mais uma rodada de debates e reflexões acerca de temas essenciais para a construção de uma Manaus melhor. Como palestrante a professora Ana Cláudia Sá, pedagoga com larga experiência na educação de crianças e adolescentes na cidade de Manaus.

Das histórias da vivência profissional da professora Ana Cláudia, uma demonstrou a realidade de crianças que são atendidas no ensino fundamental. Trata-se de um menino com muito potencial para o aprendizado que depois de um acidente ocorrido na escola necessita ser conduzido até a sua residência para ser entregue aos pais. O local de moradia do estudante era o mais precário possível e ao chegar à casa do menino não havia nenhum responsável adulto que pudesse recebê-lo. Uma escola que trabalhe com crianças tem o dever de manter um cadastro atualizado dos alunos para um possível e necessário contato em situações de emergência.

Qualquer instituição financeira, ou empresa que trabalhe com cessão de crédito, tem a sua disposição, por meio da consulta ao CPF/MF – Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda, toda a vida financeira de um indivíduo, haja vista que bancos, financeiras e empresas de modo geral estão interligados ao sistema Serasa, SPC, Cadin e por meio dessas informações traçam a análise de risco de crédito do indivíduo em um financiamento. De outro lado, a Receita Federal do Brasil – RFB - tem recebido em anos sucessivos o prêmio Inovação da Administração Tributária, que é concedido pelo Centro Interamericano de Administração Tributária, porque inegavelmente é uma ilha de excelência e competência no Governo Federal, afinal é a Receita Federal a responsável pela arrecadação dos impostos.

Hoje é imprescindível para a eficiência de qualquer organização a gestão integrada das informações, mas a eficácia somente será determinada a partir de como são tratados esses dados. Por exemplo, a RFB caça sonegadores por meio da “malha fina” que nada mais é do que análise dos dados recebidos de instituições financeiras, empregadores e informações do imposto de renda do indivíduo e de outros contribuintes pessoa física que possa demonstrar ocultação de rendimentos na declaração do imposto de renda. O mesmo recurso é adotado para as empresas (pessoa jurídica) que tem suas operações monitoradas pela RFB e toda essa atuação eficiente permite arrecadações recordes ano após ano. Ficam de fora dessa sanha arrecadadora o indivíduo e as empresas que estejam na informalidade e são grandes os esforços dos governos em promover a “formalidade”.

A RFB exige que dependentes maiores de quinze anos nas declarações do imposto de renda tenham o CPF e que menores de qualquer idade tenham esse documento na abertura de uma conta poupança/corrente. No entanto, para a concessão da Bolsa Família o CPF pode ser substituído pelo título de eleitor para o titular e simplesmente a certidão de nascimento para o dependente. Interessante que na concessão de um benefício pecuniário não seja obrigatório o CPF e que o título de eleitor possa assumir esse papel, principalmente porque as operações de compra e venda, ou transações financeiras, não são monitoradas pelo título de eleitor, mas sim pelo CPF. Na prática essa falta de monitoramento pode levar a fraudes, ou mesmo permitir que o benefício seja entregue a quem dele não necessite, principalmente por aqueles que estão na informalidade e, por isso, obtenham rendimentos acima de meio salário mínimo por pessoa (per capita) ou renda familiar mensal de até três salários mínimos.
O cadastro da Bolsa Família, assim como a educação fundamental, está ao encargo das prefeituras. Também estão vinculadas as prefeituras os conselhos de caráter social, como o Conselho de Assistência Social, Conselhos Tutelares, as casas de saúde básica da família e as campanhas de vacinação. Agora imaginemos que todas essas informações estivessem vinculadas em um cadastro único recebido no momento do registro de nascimento do cidadão, sendo esse cadastro o que acompanhará o indivíduo durante toda a sua vida e cujo sigilo dessas informações fosse tão resguardado quanto o sigilo fiscal protegido por lei. Elucubremos a possibilidade de análise desses dados para a formação de uma política inteligente de combate à fome vinculada ao desempenho escolar, vacinação e cuidados com a criança pelos pais que recebem benefício para tal. Esses dados poderiam estar disponíveis para os gestores de escolas que poderiam identificar quais de seus estudantes (público alvo) estariam mais propensos ao risco social e agir preventivamente. Os conselhos também poderiam agir preventivamente e, assim, poderíamos crer em uma política integrada de bem estar social. Isto não é ficção, pois se a mesma eficiência que tem a RFB para arrecadar, analisar e controlar fosse aplicada em políticas sociais, haveríamos de construir estratégias eficazes em benefício de toda a população, principalmente aos menos favorecidos.

Acho importante a discussão no “varejo” dos problemas que assolam a educação, mas algumas soluções estratégicas devem ser concebidas no “atacado”, como a proposta desta resenha. Porém, a qualidade das soluções somente irá emergir quando melhorarmos a qualidade de nosso voto. Devemos analisar não somente o currículo acadêmico, mas também o histórico humanista e ético do candidato, assim como a identidade das forças políticas que o apoiam. Não dá mais para pautar nosso processo de escolha no “bonitinho”, no “engraçadinho”, no artista, no famoso ou no sujeito legal e popular, pois essas características são as responsáveis pela baixa qualidade do parlamento que é o responsável por propor e aprovar nossas leis.

A discussão de ideias para o futuro da cidade de Manaus acontece em um momento de maturidade política do povo brasileiro que redescobriu as ruas como meio de expressão. O próximo passo será ocupar os fóruns presenciais de discussão e tomar partido das ideias que verdadeiramente construam um futuro melhor.

João Lago
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont

quinta-feira, 4 de junho de 2015

DEMOCRACIA, MERITOCRACIA E INCLUSÃO SOCIAL



Esta reflexão que aqui apresento, iniciou-se com minha filha (15 anos) adentrando a porta de meu quarto pedindo ajuda para o preenchimento do questionário socioeconômico da inscrição do Enem – Exame Nacional do Ensino Médio.  A cada pergunta, capciosamente construída para limitar suas chances em uma vaga na universidade pública, que abordava desde a cor da pele, passando pela escolaridade dos pais, número de banheiros na casa e outras informações, somente para colocá-la em situação de desvantagem, simplesmente por ter nascido em uma família que valoriza a educação e que pôde, com muito esforço, pagar-lhe um bom ensino e oferecer-lhe um relativo conforto material. A regra do acesso à universidade pública não é mais totalmente apoiada no conceito do mérito.

A meritocracia consiste que a escolha de um profissional, ou a ascensão deste para um cargo de maior importância, é determinada por meio do mérito, ou seja, pelo conhecimento, pelas conquistas, pela demonstração de valores incontestes quando comparado com os seus pares. Porém, a meritocracia não é um conceito moderno, haja vista que Confúcio, que viveu nos anos 551 a 479 a.C, em sua filosofia pregava que a importância das pessoas deveria basear-se no mérito. No Século II a ideia da meritocracia foi utilizada pelo imperador chinês Shih Huang-Ti para escolher funcionários públicos, mas infelizmente os cargos de maior importância ainda eram entregues aos familiares e amigos do imperador.

No Brasil os concursos públicos ainda se apoiam na meritocracia, mas paulatinamente vão se incluindo minorias com reserva de vagas, algumas plenamente aceitas pela sociedade, como aquela que prevista na Lei 7853/89, regulamentada no Decreto 3298/99, que assegura 5% das vagas para pessoas portadoras de deficiência. A deficiência física muitas vezes é atribuída por uma casualidade (a pessoa nasce assim), ou por uma fatalidade (a pessoa a adquire) e a medicina moderna não é capaz de resolvê-la. Assim, a condescendência à defecção da meritocracia neste caso ganha matizes de inclusão social.

Em 1989, ano da efervescência constitucional, mesmo ano em que se atribuía vagas para portadores de deficiência no emprego público, é sancionada a Lei 7716 que criminaliza qualquer conduta discriminatória, ou preconceituosa, por motivo de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Da mesma forma que a Lei 7853 foi muito bem recepcionada pela sociedade brasileira, a lei 7716 foi imediatamente aceita, pois apesar de prevista a igualdade entre as pessoas e a liberdade de religião na nascente Constituição Federal, a criminalização de condutas discriminatórias também carregava cores de inclusão social. No entanto, não se pode levar toda a ação de inclusão social por meio da criação de privilégios, ou pela criminalização da conduta comportamental das pessoas, quando não há certeza absoluta que o direito constitucional difuso garantido a qualquer cidadão não será violado.

Nos países escandinavos (Suécia, Noruega e Finlândia), que reconhecidamente possuem um sistema educacional de melhor qualidade no mundo, o ensino é público e gratuito (pleonasticamente falando), inclusive o ensino superior. O sistema de acesso às vagas é por meio da meritocracia e é impensável haver cotas de ensino, haja vista que a educação de qualidade é franqueada a todos e não somente aqueles que podem pagar para ter o privilégio de uma boa educação. Mas não se engane, pois todo esse ensino de excelência, assim como o acesso a saúde pública de qualidade, é custeado com os mais altos impostos cobrados no mundo ocidental. A diferença é que cada centavo pago em impostos pelo cidadão retorna em serviços públicos de excelente qualidade. Este é o jeito escandinavo de democracia e inclusão social.

O sistema de cotas do ensino superior no Brasil, travestido de “inclusão social”, na verdade apenas expressa a incompetência demagógica do governo federal em entregar a população, independentemente da quantidade de banheiros que se tem em casa, ou mesmo a cor da pele, um ensino público fundamental e médio de qualidade. A analogia que faço é de uma comunidade que tenha uma praça que seja comum a todos, cuja área verde é tomada pelo mato, sujeira e que não recebe a atenção necessária do poder público para transformá-la em um local aprazível. Cansado de receber tantas reclamações, o gestor público resolve o problema mandando cobrir a área verde com concreto. Pronto! Não era exatamente isso que pedia a população, mas é o que foi entregue de forma arbitrária como solução.

A cada pergunta que minha filha fazia sobre a quantidade de geladeiras, computadores, automóveis etc., eu sentia-me culpado por limitar sua oportunidade em ingressar em uma universidade pública pela quantidade de conforto material entregue a ela. Nada do que possuímos considero um luxo, mas mesmo que fosse foi adquirido paulatinamente com o esforço do trabalho desta família e os impostos que pagamos são praticamente entregues a fundo perdido, pois nos esforçamos para manter nossos filhos adolescentes em escola particular de boa qualidade e segurança, além de recorrer ao plano de saúde para ter direito a um tratamento digno quando adoecemos.

Sinceramente, fico com a visão democrática de inclusão social que ensina as políticas públicas dos países escandinavos.

João Lago.
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont.