Essas semanas de jogos do mundial de países aqui em Manaus,
inicialmente tinha tudo para ser um evento para mim restrito a quatro partidas
de futebol, pois havia conseguido comprar ingressos para todos os jogos. No
entanto, tudo se modificou a partir de uma ligação telefônica de um amigo, que
hoje trabalha e mora no Panamá, para ajudá-lo a organizar a recepção de um
grupo de 50 colegas de trabalho da América Central. Assim, de certa forma
tornei-me de ultima hora anfitrião, pois caberia a mim indicar os melhores
passeios, os melhores restaurantes e ter a grande responsabilidade de mostrar a
hospitalidade manauara que está tão em destaque na imprensa nacional (quiçá
internacional).
Em um passado bem distante, lá pelos meus 17 anos, trabalhei
como guia “freelancer” da extinta agência Selvatur do também finado Hotel
Amazonas, quando em passeios de barco pelo lago do Janauari, apresentando as belezas naturais de nossa
floresta, aprendi que o banal aos nossos olhos acostumados com a exuberância do
“inferno verde” tem o valor de uma experiência única para o estrangeiro urbano.
Porém, nesse grupo que veio para Manaus estavam mexicanos, panamenhos,
peruanos, colombianos, equatorianos que detém também em seus territórios uma
exuberância significativa de floresta, principalmente Equador, Peru e Colômbia
que abarcam parte da Amazônia sul-americana. E mesmo para os países da América
Central cabia a dúvida: “¿ La humedad del aire en Manaus es mas grande que en Panamá?”. Ora,
excetuando as localidades andinas, o clima de Manaus muito se assemelha em
paisagem e calor com muitas cidades dos países citados.
Nossas belezas naturais fascinam, pois um rio caudaloso que
nem o nosso Amazonas não se encontra em qualquer lugar, muito menos o fenômeno
hidrológico do encontro das águas do Rio Negro com as águas barrentas do Rio
Solimões, dando a impressão que estão apartadas fisicamente, repelindo-se entre
si por quilômetros de extensão. Temos também nossa fauna: o boto, o peixe-boi,
a ariranha, a anta, a onça e uma culinária rica a base de pescado proveniente
de uma cultura indígena-cabocla original. Ainda guardo comigo a expressão de
espanto dos visitantes frente a um tambaqui de 30 quilos, uma raridade até mesmo
para os meus olhos, mas que foi devidamente congelada pelo dono do restaurante
regional, como se tamanha opulência não merecesse ir para a panela.
A beleza arquitetônica de nossos monumentos históricos tem
similares em outros lugares do mundo. Portanto, apesar de belos, hão de ser
comparados com tantos outros erguidos pela mão do homem em outros sítios.
Decididamente não será isto que irá fascinar nossos visitantes e não é disto
que está falando a imprensa internacional. A cereja do bolo é nossa
cordialidade, muitas vezes ingênua, de abrir nossas portas para o que vem de
fora e o que nos faz um povo generoso. Já vivi em outras praças e posso
garantir que isto talvez tenha similaridade somente no Nordeste brasileiro, mas
conforme avançamos para o sul, isto vai se perdendo. Quando morei em São Paulo
e Minas Gerais aprendi que é de “boa educação” ligar para o amigo antes de ir
visitá-lo em sua casa, coisa que jamais cogitei em minha juventude manauara.
Dizia simplesmente: vamos à casa do fulano, obviamente assumindo o risco de não
encontrá-lo, mas isto era um mero detalhe. Assim, dessas experiências do jeito
manauara de ser, recordo-me de um dia 31 de dezembro no qual resolvo visitar
meu amigo Marcelo e encontro sua esposa grávida em pleno trabalho de parto,
literalmente correndo da sala para cozinha. Em face da urgência, acabei por
participar de forma decisiva da vinda ao mundo de Joaquim, que tenho um
profundo amor como se de meu próprio sangue fosse. Talvez se tivesse ligado
antes a formalidade teria nos apartado deste momento mágico.
Tambaqui, peixe amazônico |
O manauara genuíno gosta de gente e se satisfaz em servir descompromissadamente,
que faz desta terra um lugar tão aprazível ao forasteiro e, não por acaso, no
senado do Amazonas não tem um amazonense sequer. Porém, nesse caso, talvez
resida a maior de nossas ingenuidades, mas isto é uma outra história.
Estamos sempre de braços abertos, pois se faltou a
infraestrutura prometida para a Copa do Mundo em Manaus, aqui jamais faltará um
sorriso e uma mão amiga estendida.
João Lago.
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont.