Há muito tempo que
percebo um fenômeno silencioso que se entranha em todos os
movimentos sociais e políticos no Brasil, ou dando o nome aos bois,
o completo esvaziamento de pessoas de bem em todas as causas que
deveriam ser presididas por gente por conduta moral ilibada. Cada vez
mais os finórios corruptos se entranham e ganham corpo na sociedade
e nada temem, porque acabam por ter respaldo de seus pares
distribuídos nas esferas de poder.
O caso do deputado
presidiário é um exemplo, pois aqui se quebra um paradigma.
Pensava-se que o STF – Superior Tribunal Federal fosse a estância
limite para a condenação penal e moral na lenta justiça
brasileira, na qual o advogado bom não é aquele que absolve o seu
cliente, mas aquele que consegue postergar ao máximo a condenação,
levando-a até o limite de prescrição da pena. Esses advogados que
são os considerados bons, os mais prestigiados, os mais caros e
concorridos. No entanto, não quero dizer que a culpa seja dos
advogados, pois bem ou mal usam do que o sistema judiciário permite
e que está na legislação brasileira. Portanto, se utilizam desses
meandros protelatórios o fazem cumprindo o compromisso de garantir
ampla defesa de seus clientes. Assim, a mudança deveria ser obtida
pelo legislativo, pela mudança da lei no Código de Processo Penal,
mas considerando um plenário que livra um bandido da perda de
mandato (aqui não cabe mais o eufemismo de “suposto bandido”,
pois a última estância da justiça o condenou), como esperar que se
mude uma legislação que colocaria a Espada de Dâmocles(1) sobre a
cabeça de cada membro do Congresso Nacional? Tenho a completa
convicção que a maioria do Congresso Nacional deseja que nada se
mude na lei de processo penal.
As altas instâncias de
poder já abrigam gente que acredita estar acima de qualquer censura,
acumulando desatinos que ferem qualquer bom senso pueril. Por
exemplo, o ministro Joaquim Barbosa, último bastião de justiça
consagrado pela imprensa brasileira, em um arroubo de novo rico,
resolve comprar um apartamento em Miami. Até aqui tudo bem, pois não
desejo discutir o ideal de cidade que Barbosa escolheu para ter um
imóvel, mas a forma como o fez. No Brasil qualquer funcionário
público é proibido de ter empresa, pois a lei brasileira não
permite. No entanto, para comprar imóvel nos EUA Joaquim Barbosa
abre uma empresa de fachada e compra o apartamento em nome dessa para
obter benefícios fiscais. Assim, Barbosa inaugurou o seu jeitinho
brasileiro em terras do Tio Sam. Há quem pense que isto tudo é só
uma esperteza, mas diminui Barbosa a altura de Lewandowski, ou pior
ainda, ao nível de Dias Toffoli, que não se acha impedido de
relatar o processo do Banco Mercantil do Brasil(2), instituição a
qual esse ministro obteve 1,4 milhão em operações de crédito, a
juros muito abaixo do padrão de mercado, para serem quitadas em 17
anos. Como tudo está orquestrado entre os amigos, a Advocacia Geral
da União – AGU, que deveria zelar pelos interesses do erário,
acha normal um juiz receber empréstimos de quem deva julgar
interesses milionários. Cumpre lembrar que Dias Toffoli foi advogado
do PT e ocupou diversos cargos no governo Lula, sendo este é o único
atributo em sua biografia pífia, comparada com a de seus pares, que
poderiam lhe conferir comenda de ser indicado para a mais alta corte
do país.
O escárnio pela ética
já não mais escandaliza, pois se “os idiotas perderam a
modéstia”, muito antes os ladinos da república perderam o medo de
estabelecer seus balcões de negócio a luz do dia, ou a distribuir
seus pares em todas as esferas de poder debaixo de nossas narinas. A
última foi a indicação por Dilma Rousseff de Zé Carlinhos para
embaixador em Angola, um sujeito condenado em primeira instância por
sua participação na Máfia dos Sanguessugas(3). Não obstante, o
mesmo ainda deverá ser aprovado pelos senadores, mas o que esperar
de uma turma que está sem moral frente a opinião pública e que é
presidida por Renan Calheiros? Certamente Zé Carlinhos será
aprovado com louvor pelos nobres senadores. O governo angolano que se
cuide e coloque suas barbas de molho.
Tudo isto que escrevi
acima revela como nas altas esferas se destaca o comportamento
ignóbil como um padrão a ser seguido, afastando aqueles que
eventualmente possam ter algum ideal de justiça e amor ao bem comum.
Quem em sã consciência estaria predisposto a chafundar-se na lama e
ser confundido com os porcos? Se desejas ser rotulado de bandido,
expresse vontade de filiar-se a um partido político e a concorrer a
um cargo eletivo. No entanto, em Junho deste ano brotou em nossos
corações a esperança que a nação havia despertado e,
contrariando os apelos sensatos da mãe de meus filhos, temerosa com
a violência de um grupo de alienados e de marginais, incentivei
nossas crianças a saírem comigo às ruas pedindo um Brasil ético e
socialmente justo. Bem a propósito, quando já estávamos voltando
para casa, recebo a ligação de um sobrinho, que seguiu mais adiante
na caminhada, preocupado em saber onde estávamos, pois havia
iniciado um quebra-quebra e a polícia estava reprimindo duramente
todos os que estavam ao redor: os inocentes e os culpados.
Neste mês setembro
acompanhei, na imprensa e nos portais da internet, as convocações
que estavam sendo feitas para que se repetisse no dia da pátria uma
nova onda de protestos por todo o Brasil como aquelas ocorridas no
mês de Junho. Sinceramente duvidei que tal fato voltasse a se
repetir, como ainda duvido que se reproduza a permanecer a ocupação
das ruas por esses bandidos oportunistas que estão roubando do
cidadão indignado o legítimo direito de manifestar-se nas ruas com
os seus filhos e família de maneira pacífica. Assim, se nas altas
esferas os ladinos se encastelaram, nas ruas quem manda é o néscio
mascarado, esses beócios travestidos de manifestantes que cumprem o
papel de ajudar os bandidos que estão no poder, pois ao reduzirem
tudo a depredações e a roubos, afasta a população ordeira e
honesta das ruas, reduzindo a pressão pública sobre a roubalheira
nas altas esferas da república.
Infelizmente iniciamos
um Setembro Negro, pois se esvai, em meio as nuvens de gás
lacrimogênio, chuvas de spray de pimenta, saraivada de balas de
borracha e estrondo de bombas de efeito moral, toda a esperança em
uma primavera cívica brasileira.
João Lago.
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont.
Notas:
- Conta a mitologia que Dâmocles quis saber como seria ser rei, vivendo de ser bajulado e desfrutando da boa vida que um governante possui em seu palácio. Um rei tirano chamado Dionísio propôs que Dâmocles experimentasse ser governante e o convidou a sentar-se no trono de rei por um dia. Porém, ao chegar ao palácio e sentar-se no trono, viu um espada pontiaguda pendurada por uma tênue linha apontada para sua cabeça. A espada simboliza que o governante deve temer o ônus pesado que o poder traz consigo.
- O Banco Mercantil do Brasil entrou com recursos contra o INSS pedindo compensações por contribuições previdenciárias que teriam impacto favorável em toda sua folha de pagamento e contra a Receita Federal para redução da alíquota do Confins de 4% para 3%, cabendo a Dias Toffoli avaliar e relatar o mérito do pedido.
- Máfia dos Sanguessugas, ou máfia das ambulâncias, foi um escândalo de corrupção acontecido em 2006 com a descoberta de uma quadrilha que desviava dinheiro público destinado à compra de ambulâncias, na qual o ex-deputado federal José Carlos Fonseca Júnior (Zé Carlinhos) foi condenado em primeira instância por peculato e por ferir a lei das licitações.