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terça-feira, 16 de abril de 2013

A Socialização da Mediocridade


A Páscoa representa vida nova, renovação e nada mais emblemático que a troca das reitorias das duas escolas públicas de curso superior, que atuam em nossa cidade, a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e Universidade Estadual do Amazonas (UEA), aconteçam neste período pascal. No entanto, nem tudo aquilo que pode se chamar vida nova pode ser considerado renovação, haja vista que a pretensa “novidade” pode significar retrocesso, mais afeita a reproduzir os nossos temores, ou seja, nosso receio do acirramento a decadência do ensino como um todo, em um País que necessita de gente qualificada, não somente no “savoir-faire”, mas que seja capaz de compreender que os nossos desafios passam pela construção de uma sociedade mais justa e fraterna.
Quando o jornal Folha de São Paulo(1), na semana que passou, apresenta que entre a quinta e nona série do Ensino Fundamental existe um retrocesso no aprendizado de matemática e língua portuguesa, quando o rendimento de crianças de 10 anos são comparados com o de adolescentes de 14 anos, acaba por refletir na qualidade dos alunos egressos do sistema público de educação e as lacunas de conhecimento que se formam nos alunos do Ensino Médio. Assim, na falência do ensino público, face a incapacidade de conseguir o mesmo desempenho de escolas privadas, o governo empurra o problema para a universidade pública por meio de sistemas de cotas, achando que desta maneira fará justiça social.
Infelizmente, a noção de justiça, que hoje nos é apresentada, traz consequências no Ensino Superior em escola pública que somente poderão ser sentidas em médio e longo prazos, como por exemplo o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que destina 50% das vagas da universidade pública para alunos inscritos em qualquer unidade da federação, que tenham estudado em escola pública, havendo ainda a metade dessas vagas garantida a quem se declare com renda familiar igual ou inferior a um salário mínimo mensal (Lei 12.711 de 2012). Desta forma, por meio das regras do Sisu, temos um fenômeno que vem se repetindo aqui no Amazonas para o curso de Medicina, que é o total preenchimento dessas vagas por estudantes forasteiros, os quais não sabemos se permanecerão em Manaus depois de formados, ou mesmo se irão aventurarem-se no interior, onde a cura ainda se faz por meio de ervas e efusões. No entanto, é bem verdade que estudantes de outros Estados em sistemas de cotas pelo Sisu enfrentem a barreira de sustentarem-se financeiramente com o aluguel, a alimentação, o transporte, os livros acadêmicos etc., tudo isto às suas expensas, considerando que estudar Medicina envolve dedicação integral. Assim, resta saber se todas essas vagas serão preenchidas pelo sistema, além do fato que é evidente que a qualidade do ensino local apresenta retrocesso frente aos outros Estados.
As demais 50% das vagas das universidades públicas serão oferecidas ao Processo Seletivo Contínuo, que também tem reserva em sistema de cotas para 14% das vagas, ficando as restantes para a “ampla concorrência” (Edital UFAM 01/2013). Como se percebe, somando teremos 64% das vagas em sistemas de cotas étnicas ou cotas socioeconômicas, ou uma por meio da junção de ambas, mas todas privilegiam quem faz o Ensino Médio em escola pública. Ora, por meio desta regra, para que o filho da classe média tenha chances de entrar em uma faculdade pública, a primeira atitude providencial é autoproclamar-se pardo.
Eu mesmo considero-me pardo, mas me casei com uma mulher branca (sem eufemismos) e com ela tive filhos. Quando nasceu meu primogênito, tive dificuldades em definir qual cor de cútis que eu deveria registrá-lo em sua certidão de nascimento, haja vista que não era claro para mim se a criança seria branca como a mãe, ou parda como o pai, ou seria uma mistura dos dois. Na dúvida, tentando ser mais fidedigno possível, o registrei como “moreno claro”, que é uma cor de pele que não consta nos manuais do “politicamente correto”.
Meus familiares riram de mim quando viram a forma que eu o tinha registrado, porque ele hoje é realmente mais branco que o pai, porém mais moreno que a mãe. Todavia, posso dizer que tive uma premunição e meu filho pode autodeclarar-se pardo, para cumprir uma das primeiras prerrogativas do sistema de cotas. Porém, com muito esforço financeiro, meus filhos sempre estudaram em escola privada. Este é o sacrifício que fazemos para deixá-los em condições para realizar um bom vestibular para uma universidade pública. Pelo menos era como deveria ser. Agora, pais em situação idêntica a minha tem que decidir se colocam os filhos em escola pública, ou se os mantém em escola privada e amargam que sejam discriminados pelo sistema de cotas.
Jamais tivemos os problemas raciais ao nível da sociedade norte-americana, pois desde Casa-Branca & Senzala(2) sabemos que a mestiçagem acontece no Brasil e que o nosso problema sempre foi (e ainda o é) a péssima distribuição de renda deste país, com o agravante de um Estado que é incapaz de promover a igualdade por meio de serviços públicos, dentre eles o educacional.
Desta forma, como os ensinos Fundamental e Médio em escola pública é um caso que não se resolve em uma “canetada”, a partir desta nova realidade, a mesma defasagem de conhecimento em alunos que entram nas universidade privadas, agora também irão refletir-se nas universidades públicas. Ora, isto não é uma novidade, pois o processo de seleção que vem sendo realizado no ensino privado superior, em sua maioria, apenas faz a captação daqueles alunos que não conseguiram vaga (por mérito próprio) no ensino público.
O Brasil não conseguiu socializar a educação de qualidade, mas com essa nossa política educacional de cotas, muito provavelmente estará socializando a mediocridade. Espero estar errado, contudo somente o tempo dirá.
Notas:
1. Rendimento dos alunos de matemática piora entre o 5º e o 9º ano, Jornal Folha de São Paulo, disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/educacao/1255223-rendimento-dos-alunos-de-matematica-piora-entre-o-5-e-o-9-ano.shtml
2. FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. 49ª Ed. São Paulo: Global, 2004.

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