Quando o iluminismo francês pariu a
divisão do Estado em três poderes (legislativo, judiciário e
executivo) tinha a intenção de evitar a concentração do poder nas
mãos de uma só pessoa. Foi assim que a base do Estado Democrático
de Direito, como hoje conhecemos, foi construída nas nações
ocidentais, sejam elas monarquias ou presidencialistas. Porém, a
usurpação do poder, de tempos em tempos, seduziu e seduzirá
integrantes dos três poderes e, infelizmente, o Brasil apresenta
este viés pernicioso e deletério para nossa democracia.
O Superior Tribunal Federal – STF é
o que atualmente mais avança sobre o legislativo e por meio de suas
ações atropelam o Congresso Nacional com decisões de efeito de
norma constitucional e modificando o entendimento das leis
infraconstitucional e de aplicação imediata. Neste caso, o
entendimento de onze juízes sobrepõem-se as duas casas
legislativas, inclusive ao poder executivo que tem a prerrogativa de
sancionar ou vetar a lei. A primeira investida do STF foi quando em
maio de 2011 deu a união homoafetiva o mesmo status de casamento e
fez o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, em maio de 2013, obrigar
os cartórios a celebrarem o casamento de casais de mesmo sexo. Vale
destacar que a decisão do STF ignorou o artigo 226, parágrafo 3,
que colocava sobre a proteção do Estado a união de “homem e
mulher” como “entidade familiar”. Foi justamente nessa questão
semântica entre “família” e “entidade familiar”, não
considerada como sinônimos, que a Ação Direta de
Inconstitucionalidade 4.277 colocou em contradição o artigo 226 e o
seu caput. A partir disso, haja vista as inúmeras possibilidades de
interpretação semântica, estava aberta ao STF legislar e sancionar
qualquer coisa. Reitero que a modificação desse entendimento seria
de exclusividade do Congresso Nacional por meio de uma Proposta de
Emenda Constitucional que deveria tramitar pelas duas casas
legislativas e, ao final, ser sancionada ou vetada pelo Presidente da
República. O STF usurpou a atribuição dos outros dois poderes
sobre o pretexto de garantir fazer cumprir o artigo 5, inciso X, da
Constituição Federal – CF que é cláusula pétrea, que trata dos
direitos e garantias fundamentais e destaca: “são invioláveis a
intimidade, a vida privada”. Ora, por essas interpretações o que
poderia impedir considerar como “família” relações afetivas
entre três ou mais indivíduos e obrigar os cartórios a celebrarem
esses casamentos?
A livre interpretação de conveniência
não ocorre somente no plenário do STF. Não podemos esquecer que
coube ao juiz Ricardo Lewandowski, ao presidir o processo de
impeachment de Dilma, manter os direitos políticos da presidente
rasgando a CF (artigo 52). Lewandowski (a época presidente do STF)
por conta própria decidiu que Dilma poderia, mesmo sendo destituída
do poder pelo Congresso Nacional, candidatar-se nas eleições
seguintes quando está claro que deveria ficar inelegível por oito
anos, assim como Collor o foi. Lewandowski permitiu-se colocar acima
da CF o artigo 33 da Lei 1079 de 1950 que diz que caberia ao
presidente do STF fixar o “prazo de inabilitação”. Ora,
qualquer estudante de direito, o mais vagabundo possível, sabe que
nenhuma lei infraconstitucional pode ser maior que a própria CF e,
ainda mais, que as leis anteriores poderiam ser recepcionadas pela
Constituição de 1988, desde que não entrassem em conflito com a
mesma. Neste caso, a imprensa de modo geral questionou o fato e
perguntava-se em qual parte do artigo 52, parágrafo único, da CF
que diz “à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para
o exercício de função pública” recepciona o artigo 33 da lei de
1950? A partir disto, instalou-se no Planalto Central uma sucursal do
Olimpo na qual os juízes do STF tem poderes de semideuses.
Recentemente coube ao atual presidente
do STF, o juiz Dias Toffoli, rasgar novamente a CF (artigo 5, inciso
IX) quando em censura prévia mandou retirar e multar o jornal
eletrônico O Antagonista e a Revista Crusoé por publicar uma
notícia verdadeira. Os periódicos informavam que Marcelo Odebrecht
esclareceu a Lava Jato que o codinome “amigo, do amigo, do meu pai”
era o que designava Dias Toffoli. Porém, dessa vez, foi tão feroz a
repercussão da mídia em defesa da liberdade de imprensa que Dias
Toffoli suspendeu a censura. Se não bastasse todas essas evidências
que o STF age como poder hegemônico sobre os demais, para mim a mais
clara prova foi a recente decisão de equiparar a homofobia ao
racismo.
A Ação Direta de
Inconstitucionalidade por Omissão – ADO 26 questiona o fato do
Congresso Nacional ainda não ter votado uma lei que garanta a
criminalização da homofobia como se o Senado e a Câmara Federal
tivesse um prazo para tal. Não há previsão na CF de prazo para o
Congresso votar e aprovar projetos de leis, assim como não há prazo
para o STF julgar os inúmeros processos criminais que estão em sua
tutela (alguns até prescrevendo). Vale lembrar que um juiz do STF
pode sobrestar um processo com um “pedido de vista” e não tem
prazo definido que o obrigue a devolvê-lo. Assim, por mais que caiba
ao STF interpretar a CF isso não pode ser entendido como uma licença
para legislar, ou obrigar o Congresso Nacional a decidir quando e
quais leis deve colocar em votação.
O Senado e a Câmara Federal, por
princípio, representam o conjunto da sociedade por serem seus
membros eleitos em um processo democrático. Desta forma, a maioria
dos congressistas, em seu tempo de legislatura, refletem o que deseja
a maioria dos eleitores em um país no qual o voto é obrigatório e
permitido ao analfabeto e facultativo aos 16 anos. Se nas últimas
eleições a escolha dos eleitores foi alinhar-se mais à direita
liberal e com viés de conservadorismo é porque os valores que
constituem a moral cristã majoritária rejeitou o “progressismo”
da esquerda. Neste ponto, analiso que foi mais importante para a
maioria do eleitorado eleger o conservadorismo do que uma política
econômica liberal e basta olhar o que mais se discutiu durante a
última eleição. Criminalizar a homofobia é colocar a
subjetividade do que seja isso para uma decisão de qualquer juiz de
primeiro grau. Por exemplo, no dia 27 de maio uma faixa com os
dizeres “em terra de homofóbicos casamento de gay é arte” foi
retirada da fachada do Banco do Nordeste em Fortaleza e um dos
responsáveis por colocá-la ali acusou o banco de homofobia. O Banco
do Nordeste justificou a retirada da faixa como "descaracterizando
a fachada do prédio e comprometendo sua identidade visual", mas
ainda assim afastou o gerente executivo do centro cultural. Se uma
faixa ordinária como tantas outras que vemos fixadas na cidade é
uma obra de arte, sinceramente eu não sei como classificar um quadro
renascentista como Mona Lisa. O STF está colocando a espada de
Dâmocles na cabeça da sociedade que doravante olhará um
homossexual como um intocável e pondo uma mordaça nas convicções
religiosas que incluem como pecado o ato sexual entre indivíduos do
mesmo sexo. Alguém poderá dizer que estou radicalizando, mas basta
ver as consequências do ato para um gerente execrado em fazer
cumprir um julgamento estético no qual uma faixa (seja ela qual for)
não ser adequada para ser fixada na porta de entrada de um prédio
público/privado. Dizem que a cabeça de juiz é que nem fralda de
criança, na qual não podemos prever olhando de longe o que há
dentro, podendo o gerente ser processado por homofobia e, a depender
do juiz, condenado. Outro fato recente foi um vídeo que circulou nas
redes sociais no qual um travesti invade um culto religioso e passa a
cobrar o pastor, com palavras de baixo calão, uma suposta dívida de
favor sexual. Os fieis que estavam naquela igreja nada tinham a ver
com o que supostamente ocorreu na intimidade entre os dois e, a meu
juízo, foram profundamente desrespeitados. Porém, imaginemos que um
fiel, no calor da emoção, o tivesse a expulsado a força do local
certamente a homofobia estaria caracterizada na mente dos
“progressistas”.
Advogo uma sociedade sem a necessidade
do “empoderamento” de indivíduos, pois não é certo que os
empoderados saberão usar esse “poder” com responsabilidade.
Recentemente vimos vídeo de uma mulher mutilando-se para atribuir ao
companheiro uma falsa acusação de violência, bem como outro vídeo
com Maria do Rosário (PT-RS) arremessando-se contra os seus pares e
os acusando de tê-la empurrado em uma atitude patética e deplorável
de simulação de violência contra mulher. Ambas não perceberam que
estavam sendo filmadas. Prefiro uma sociedade em que todos sejam
regidos pelas mesmas leis, não atribuindo a verdade dos fatos a
necessidade da apresentação de uma imagem de vídeo. Infelizmente
na vida comum não temos o VAR do futebol e a prosseguir nessa linha
caminhamos para uma sociedade judicializada nos costumes e regida
pela visão eventualmente tacanha de onze juízes.
Finalizo relembrando que cabe ao Senado
demonstrar aos onze juízes do STF que não são semideuses e que
alguns, dentro do processo democrático e a luz da CF (artigo 52,
inciso II), já deveriam ter sofrido impeachment.
João Lago.