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quarta-feira, 29 de maio de 2019

Os poderes ilimitados dos onze juízes do STF


Quando o iluminismo francês pariu a divisão do Estado em três poderes (legislativo, judiciário e executivo) tinha a intenção de evitar a concentração do poder nas mãos de uma só pessoa. Foi assim que a base do Estado Democrático de Direito, como hoje conhecemos, foi construída nas nações ocidentais, sejam elas monarquias ou presidencialistas. Porém, a usurpação do poder, de tempos em tempos, seduziu e seduzirá integrantes dos três poderes e, infelizmente, o Brasil apresenta este viés pernicioso e deletério para nossa democracia.

O Superior Tribunal Federal – STF é o que atualmente mais avança sobre o legislativo e por meio de suas ações atropelam o Congresso Nacional com decisões de efeito de norma constitucional e modificando o entendimento das leis infraconstitucional e de aplicação imediata. Neste caso, o entendimento de onze juízes sobrepõem-se as duas casas legislativas, inclusive ao poder executivo que tem a prerrogativa de sancionar ou vetar a lei. A primeira investida do STF foi quando em maio de 2011 deu a união homoafetiva o mesmo status de casamento e fez o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, em maio de 2013, obrigar os cartórios a celebrarem o casamento de casais de mesmo sexo. Vale destacar que a decisão do STF ignorou o artigo 226, parágrafo 3, que colocava sobre a proteção do Estado a união de “homem e mulher” como “entidade familiar”. Foi justamente nessa questão semântica entre “família” e “entidade familiar”, não considerada como sinônimos, que a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277 colocou em contradição o artigo 226 e o seu caput. A partir disso, haja vista as inúmeras possibilidades de interpretação semântica, estava aberta ao STF legislar e sancionar qualquer coisa. Reitero que a modificação desse entendimento seria de exclusividade do Congresso Nacional por meio de uma Proposta de Emenda Constitucional que deveria tramitar pelas duas casas legislativas e, ao final, ser sancionada ou vetada pelo Presidente da República. O STF usurpou a atribuição dos outros dois poderes sobre o pretexto de garantir fazer cumprir o artigo 5, inciso X, da Constituição Federal – CF que é cláusula pétrea, que trata dos direitos e garantias fundamentais e destaca: “são invioláveis a intimidade, a vida privada”. Ora, por essas interpretações o que poderia impedir considerar como “família” relações afetivas entre três ou mais indivíduos e obrigar os cartórios a celebrarem esses casamentos?

A livre interpretação de conveniência não ocorre somente no plenário do STF. Não podemos esquecer que coube ao juiz Ricardo Lewandowski, ao presidir o processo de impeachment de Dilma, manter os direitos políticos da presidente rasgando a CF (artigo 52). Lewandowski (a época presidente do STF) por conta própria decidiu que Dilma poderia, mesmo sendo destituída do poder pelo Congresso Nacional, candidatar-se nas eleições seguintes quando está claro que deveria ficar inelegível por oito anos, assim como Collor o foi. Lewandowski permitiu-se colocar acima da CF o artigo 33 da Lei 1079 de 1950 que diz que caberia ao presidente do STF fixar o “prazo de inabilitação”. Ora, qualquer estudante de direito, o mais vagabundo possível, sabe que nenhuma lei infraconstitucional pode ser maior que a própria CF e, ainda mais, que as leis anteriores poderiam ser recepcionadas pela Constituição de 1988, desde que não entrassem em conflito com a mesma. Neste caso, a imprensa de modo geral questionou o fato e perguntava-se em qual parte do artigo 52, parágrafo único, da CF que diz “à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública” recepciona o artigo 33 da lei de 1950? A partir disto, instalou-se no Planalto Central uma sucursal do Olimpo na qual os juízes do STF tem poderes de semideuses.

Recentemente coube ao atual presidente do STF, o juiz Dias Toffoli, rasgar novamente a CF (artigo 5, inciso IX) quando em censura prévia mandou retirar e multar o jornal eletrônico O Antagonista e a Revista Crusoé por publicar uma notícia verdadeira. Os periódicos informavam que Marcelo Odebrecht esclareceu a Lava Jato que o codinome “amigo, do amigo, do meu pai” era o que designava Dias Toffoli. Porém, dessa vez, foi tão feroz a repercussão da mídia em defesa da liberdade de imprensa que Dias Toffoli suspendeu a censura. Se não bastasse todas essas evidências que o STF age como poder hegemônico sobre os demais, para mim a mais clara prova foi a recente decisão de equiparar a homofobia ao racismo.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão – ADO 26 questiona o fato do Congresso Nacional ainda não ter votado uma lei que garanta a criminalização da homofobia como se o Senado e a Câmara Federal tivesse um prazo para tal. Não há previsão na CF de prazo para o Congresso votar e aprovar projetos de leis, assim como não há prazo para o STF julgar os inúmeros processos criminais que estão em sua tutela (alguns até prescrevendo). Vale lembrar que um juiz do STF pode sobrestar um processo com um “pedido de vista” e não tem prazo definido que o obrigue a devolvê-lo. Assim, por mais que caiba ao STF interpretar a CF isso não pode ser entendido como uma licença para legislar, ou obrigar o Congresso Nacional a decidir quando e quais leis deve colocar em votação.

O Senado e a Câmara Federal, por princípio, representam o conjunto da sociedade por serem seus membros eleitos em um processo democrático. Desta forma, a maioria dos congressistas, em seu tempo de legislatura, refletem o que deseja a maioria dos eleitores em um país no qual o voto é obrigatório e permitido ao analfabeto e facultativo aos 16 anos. Se nas últimas eleições a escolha dos eleitores foi alinhar-se mais à direita liberal e com viés de conservadorismo é porque os valores que constituem a moral cristã majoritária rejeitou o “progressismo” da esquerda. Neste ponto, analiso que foi mais importante para a maioria do eleitorado eleger o conservadorismo do que uma política econômica liberal e basta olhar o que mais se discutiu durante a última eleição. Criminalizar a homofobia é colocar a subjetividade do que seja isso para uma decisão de qualquer juiz de primeiro grau. Por exemplo, no dia 27 de maio uma faixa com os dizeres “em terra de homofóbicos casamento de gay é arte” foi retirada da fachada do Banco do Nordeste em Fortaleza e um dos responsáveis por colocá-la ali acusou o banco de homofobia. O Banco do Nordeste justificou a retirada da faixa como "descaracterizando a fachada do prédio e comprometendo sua identidade visual", mas ainda assim afastou o gerente executivo do centro cultural. Se uma faixa ordinária como tantas outras que vemos fixadas na cidade é uma obra de arte, sinceramente eu não sei como classificar um quadro renascentista como Mona Lisa. O STF está colocando a espada de Dâmocles na cabeça da sociedade que doravante olhará um homossexual como um intocável e pondo uma mordaça nas convicções religiosas que incluem como pecado o ato sexual entre indivíduos do mesmo sexo. Alguém poderá dizer que estou radicalizando, mas basta ver as consequências do ato para um gerente execrado em fazer cumprir um julgamento estético no qual uma faixa (seja ela qual for) não ser adequada para ser fixada na porta de entrada de um prédio público/privado. Dizem que a cabeça de juiz é que nem fralda de criança, na qual não podemos prever olhando de longe o que há dentro, podendo o gerente ser processado por homofobia e, a depender do juiz, condenado. Outro fato recente foi um vídeo que circulou nas redes sociais no qual um travesti invade um culto religioso e passa a cobrar o pastor, com palavras de baixo calão, uma suposta dívida de favor sexual. Os fieis que estavam naquela igreja nada tinham a ver com o que supostamente ocorreu na intimidade entre os dois e, a meu juízo, foram profundamente desrespeitados. Porém, imaginemos que um fiel, no calor da emoção, o tivesse a expulsado a força do local certamente a homofobia estaria caracterizada na mente dos “progressistas”.

Advogo uma sociedade sem a necessidade do “empoderamento” de indivíduos, pois não é certo que os empoderados saberão usar esse “poder” com responsabilidade. Recentemente vimos vídeo de uma mulher mutilando-se para atribuir ao companheiro uma falsa acusação de violência, bem como outro vídeo com Maria do Rosário (PT-RS) arremessando-se contra os seus pares e os acusando de tê-la empurrado em uma atitude patética e deplorável de simulação de violência contra mulher. Ambas não perceberam que estavam sendo filmadas. Prefiro uma sociedade em que todos sejam regidos pelas mesmas leis, não atribuindo a verdade dos fatos a necessidade da apresentação de uma imagem de vídeo. Infelizmente na vida comum não temos o VAR do futebol e a prosseguir nessa linha caminhamos para uma sociedade judicializada nos costumes e regida pela visão eventualmente tacanha de onze juízes.

Finalizo relembrando que cabe ao Senado demonstrar aos onze juízes do STF que não são semideuses e que alguns, dentro do processo democrático e a luz da CF (artigo 52, inciso II), já deveriam ter sofrido impeachment.

João Lago.