Uma
boa discussão sobre política econômica é perguntar no que foram
investidos os USD 23,92 bilhões das privatizações que ocorreram no
período de 1991 a 2002 nos governos Collor, Itamar Franco e FHC.
Esse valor corresponde as privatizações da Companhia Siderúrgica
Nacional – CSN, Companhia Vale do Rio Doce, Embraer e Telebrás. Se
fossem vendidas hoje, considerando os valores a época convertidos em
dólares americanos, devidamente corrigidos pela inflação nos EUA,
hoje teríamos R$ 145,04 bilhões. Quando foram vendidas, não se
tratavam de empresas deficitárias e pelo que se tornaram hoje
demonstram que não eram um mal negócio, mesmo porque quando foram
concebidas foram idealizadas para serem o Estado atuando em áreas
essenciais com capital nacional. O fato da nacionalidade do capital é
essencial para compreender que o volume de investimentos necessários
para atuar em determinado setor, se não fosse pela iniciativa do
Estado, muito provavelmente seriam de capital estrangeiro. Porém,
elevados investimentos estrangeiros em um país passa pela concepção
do “risco político” que significa se determinada nação não
está sujeita a crises políticas que coloquem em risco o capital
estrangeiro investido. Um exemplo disto foram as perdas que a
Petrobras teve em 2006 em investimentos realizados na Bolívia quando
Evo Morales, presidente eleito, decidiu nacionalizar a exploração
de petróleo e gás naquele país. Na época, a imprensa noticiou USD
1,5 bilhão de perdas pela Petrobras. Atualizados hoje
corresponderiam a R$ 7,44 bilhões.
A
privatização sempre será a transferência de capital nacional para
grupos que nem sempre são nativos. Isto significa dizer que quando
uma empresa estrangeira compra capital nacional necessariamente
enviará para o exterior parte dos lucros auferidos no negócio e,
também pode-se afirmar, que a depender de seus interesses em seu
mercado doméstico, ou ao redor do mundo, poderá haver
desinvestimento em sua atividade local. Um exemplo disto é a Embraer
que está em vias de ser adquirida pela gigante Boeing dos EUA. O
interesse da Boeing é o mercado de jatos médios que a fabricante
brasileira tem elevada vantagem competitiva face a concorrente
Bombardier que é canadense. No entanto, não é certo que depois de
transferida todas as marcas e a parcela de mercado que a Embraer tem
no mundo que a Boeing mantenha sua produção de jatos no Brasil. Se
ficar, parte dos lucros do negócio serão remetidos aos EUA, mas se
for embora deixa uma lacuna em uma indústria de tecnologia de grande
valor agregado que para ser construída novamente não será com
capital nacional privado.
Na
esfera geopolítica e econômica mundial, as empresas transnacionais
atuam como braços econômicos cujos tentáculos aumentam os ganhos
de capital além de suas fronteiras. Os EUA, um país com elevado
número de multinacionais, em sua contabilidade nacional, adota o
Produto Nacional Bruto – PNB, que significa que a riqueza
nacional é computada contando com a produção de empresas que são
de propriedade de residentes em seu território, assim como tudo o
que é produzido no exterior por essas empresas (as multinacionais).
O Brasil por sua vez adota o Produto Interno Bruto - PIB, que
considera como a riqueza nacional tudo que é produzido em seu
território, mesmo daquelas companhias que sejam propriedades de
capital estrangeiro. Isso se dá pela imensa falta de multinacionais
verde-amarela. No entanto, fomentar multinacionais brasileiras seria
primeiramente fortalecer o mercado de capitais no que se refere ao
aumento da possibilidade de qualquer empresa nacional (por menor que
seja) tenha oportunidade de capitalizar-se vendendo parte de seu
capital por meio de ações na bolsa de valores. Atualmente existe a
Nasdaq que concentra boa parte da negociação de empresas da nova
economia, ou seja, empresas de tecnologia que possuem como plataforma
de negócios a internet na qual vendem produtos e serviços. A Google
é uma das empresas que tem ações negociadas na Nadasq é
atualmente tem o seu valor de mercado avaliado em USD 739 bilhões.
Nada mal para uma empresa fundada em 1998, cujo negócio começou em
uma garagem por dois jovens universitários.
É
fato que não temos nenhuma empresa no Brasil que isoladamente valha
tanto quanto as três primeiras corporações listadas como maiores
em valor de mercado pela Nasdaq, mesmo porque boa parte de nossas
empresas estão atreladas a velha economia, basta ver quais são as
dez principais empresas brasileiras listadas no topo do Ibovespa
(bolsa de valores brasileira): Ambev*, Itaú, Petrobras, Bradesco,
Vale e Banco do Brasil. Juntas essas seis empresas em valor de
mercado alcançariam USD 321 bilhões, sequer chegam a metade de uma
Google.
Olhando
mais detidamente para essa lista, vemos que a Ambev hoje não é mais
controlada por capital brasileiro, sendo desde 2013 propriedade de
Belgas, sendo portanto uma multinacional da Bélgica. A Vale, antes
denominada Companhia Vale do Rio Doce, hoje 47% de seu capital está
nas mãos de estrangeiros, mas ainda é brasileira no que se refere
ao controle do capital com direito a voto, incluindo as ações
chamadas de golden shares que obrigatoriamente são de
titularidade do governo brasileiro. Finalizando, excluindo Itaú e
Bradesco, sobram Petrobras e Banco do Brasil cujo o controle
acionário é do governo brasileiro e foram as manchetes do
noticiário como aquelas que devem ser privatizadas pelo governo
Bolsonaro. A novidade é que o Paulo Guedes, futuro ministro da
economia do novo governo, diz ser contrário a formação de
consórcios para as privatizações. O consórcio, por exemplo, como
feito na privatização da Vale, consiste na concentração
provisória de empresas que se juntam para participarem em bloco do
leilão por meio de uma nova estrutura organizacional que representa
o agrupamento, mantendo-se juridicamente independentes cada um das
empresas participantes do consórcio. Essa solução é para
pulverizar o capital e para que não haja a possibilidade de uma
única empresa ser dona de tudo, por exemplo uma empresa estrangeira.
O mago da economia de Bolsonaro já afirmou em entrevista que é
contra o sistema de formação de consórcios nas próximas
privatizações. Isto abre oportunidades para que qualquer gigante
petroleira, ou banco estrangeiro possam comprar e levarem sozinhos o
capital de Petrobras e Banco do Brasil.
O
Brasil tem um mercado de capitais insipientes, sendo muito pouco
provável que da garagem de qualquer cidade brasileira surja uma
grande corporação bilionária e poderosa. Também é verdade que
temos poucas multinacionais e as que nos orgulhavam, como Ambev e
Embraer, uma já passou ao controle acionário estrangeiro e outra
está em vias de deixar o país. O que é mais interessante nessa
pantomima toda armada por essa gente doutrinada no neoliberalismo da
escola de Chicago é não compreender que o Brasil deve ser preparado
para sua vocação em ser uma potência mundial no futuro, ou
resignar-se e entregar-se a sina de ser somente um país fornecedor
de commodities para o mundo industrializado. O Brasil não
deveria pensar em vender as joias da coroa para demonstrar um
alinhamento ideológico, mas preservá-las e protegendo-as do assédio
de políticos e criar mecanismos de governança corporativas pautadas
na visão de mercado, meritocracia e manutenção do capital nas mãos
do povo brasileiro. Ser contrário a isso é muito estranho para quem
saiu às ruas para votar usando verde e amarelo.
João
Lago