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sábado, 24 de novembro de 2018

As últimas joias da coroa


Uma boa discussão sobre política econômica é perguntar no que foram investidos os USD 23,92 bilhões das privatizações que ocorreram no período de 1991 a 2002 nos governos Collor, Itamar Franco e FHC. Esse valor corresponde as privatizações da Companhia Siderúrgica Nacional – CSN, Companhia Vale do Rio Doce, Embraer e Telebrás. Se fossem vendidas hoje, considerando os valores a época convertidos em dólares americanos, devidamente corrigidos pela inflação nos EUA, hoje teríamos R$ 145,04 bilhões. Quando foram vendidas, não se tratavam de empresas deficitárias e pelo que se tornaram hoje demonstram que não eram um mal negócio, mesmo porque quando foram concebidas foram idealizadas para serem o Estado atuando em áreas essenciais com capital nacional. O fato da nacionalidade do capital é essencial para compreender que o volume de investimentos necessários para atuar em determinado setor, se não fosse pela iniciativa do Estado, muito provavelmente seriam de capital estrangeiro. Porém, elevados investimentos estrangeiros em um país passa pela concepção do “risco político” que significa se determinada nação não está sujeita a crises políticas que coloquem em risco o capital estrangeiro investido. Um exemplo disto foram as perdas que a Petrobras teve em 2006 em investimentos realizados na Bolívia quando Evo Morales, presidente eleito, decidiu nacionalizar a exploração de petróleo e gás naquele país. Na época, a imprensa noticiou USD 1,5 bilhão de perdas pela Petrobras. Atualizados hoje corresponderiam a R$ 7,44 bilhões.
A privatização sempre será a transferência de capital nacional para grupos que nem sempre são nativos. Isto significa dizer que quando uma empresa estrangeira compra capital nacional necessariamente enviará para o exterior parte dos lucros auferidos no negócio e, também pode-se afirmar, que a depender de seus interesses em seu mercado doméstico, ou ao redor do mundo, poderá haver desinvestimento em sua atividade local. Um exemplo disto é a Embraer que está em vias de ser adquirida pela gigante Boeing dos EUA. O interesse da Boeing é o mercado de jatos médios que a fabricante brasileira tem elevada vantagem competitiva face a concorrente Bombardier que é canadense. No entanto, não é certo que depois de transferida todas as marcas e a parcela de mercado que a Embraer tem no mundo que a Boeing mantenha sua produção de jatos no Brasil. Se ficar, parte dos lucros do negócio serão remetidos aos EUA, mas se for embora deixa uma lacuna em uma indústria de tecnologia de grande valor agregado que para ser construída novamente não será com capital nacional privado.
Na esfera geopolítica e econômica mundial, as empresas transnacionais atuam como braços econômicos cujos tentáculos aumentam os ganhos de capital além de suas fronteiras. Os EUA, um país com elevado número de multinacionais, em sua contabilidade nacional, adota o Produto Nacional Bruto – PNB, que significa que a riqueza nacional é computada contando com a produção de empresas que são de propriedade de residentes em seu território, assim como tudo o que é produzido no exterior por essas empresas (as multinacionais). O Brasil por sua vez adota o Produto Interno Bruto - PIB, que considera como a riqueza nacional tudo que é produzido em seu território, mesmo daquelas companhias que sejam propriedades de capital estrangeiro. Isso se dá pela imensa falta de multinacionais verde-amarela. No entanto, fomentar multinacionais brasileiras seria primeiramente fortalecer o mercado de capitais no que se refere ao aumento da possibilidade de qualquer empresa nacional (por menor que seja) tenha oportunidade de capitalizar-se vendendo parte de seu capital por meio de ações na bolsa de valores. Atualmente existe a Nasdaq que concentra boa parte da negociação de empresas da nova economia, ou seja, empresas de tecnologia que possuem como plataforma de negócios a internet na qual vendem produtos e serviços. A Google é uma das empresas que tem ações negociadas na Nadasq é atualmente tem o seu valor de mercado avaliado em USD 739 bilhões. Nada mal para uma empresa fundada em 1998, cujo negócio começou em uma garagem por dois jovens universitários.
É fato que não temos nenhuma empresa no Brasil que isoladamente valha tanto quanto as três primeiras corporações listadas como maiores em valor de mercado pela Nasdaq, mesmo porque boa parte de nossas empresas estão atreladas a velha economia, basta ver quais são as dez principais empresas brasileiras listadas no topo do Ibovespa (bolsa de valores brasileira): Ambev*, Itaú, Petrobras, Bradesco, Vale e Banco do Brasil. Juntas essas seis empresas em valor de mercado alcançariam USD 321 bilhões, sequer chegam a metade de uma Google.
Olhando mais detidamente para essa lista, vemos que a Ambev hoje não é mais controlada por capital brasileiro, sendo desde 2013 propriedade de Belgas, sendo portanto uma multinacional da Bélgica. A Vale, antes denominada Companhia Vale do Rio Doce, hoje 47% de seu capital está nas mãos de estrangeiros, mas ainda é brasileira no que se refere ao controle do capital com direito a voto, incluindo as ações chamadas de golden shares que obrigatoriamente são de titularidade do governo brasileiro. Finalizando, excluindo Itaú e Bradesco, sobram Petrobras e Banco do Brasil cujo o controle acionário é do governo brasileiro e foram as manchetes do noticiário como aquelas que devem ser privatizadas pelo governo Bolsonaro. A novidade é que o Paulo Guedes, futuro ministro da economia do novo governo, diz ser contrário a formação de consórcios para as privatizações. O consórcio, por exemplo, como feito na privatização da Vale, consiste na concentração provisória de empresas que se juntam para participarem em bloco do leilão por meio de uma nova estrutura organizacional que representa o agrupamento, mantendo-se juridicamente independentes cada um das empresas participantes do consórcio. Essa solução é para pulverizar o capital e para que não haja a possibilidade de uma única empresa ser dona de tudo, por exemplo uma empresa estrangeira. O mago da economia de Bolsonaro já afirmou em entrevista que é contra o sistema de formação de consórcios nas próximas privatizações. Isto abre oportunidades para que qualquer gigante petroleira, ou banco estrangeiro possam comprar e levarem sozinhos o capital de Petrobras e Banco do Brasil.
O Brasil tem um mercado de capitais insipientes, sendo muito pouco provável que da garagem de qualquer cidade brasileira surja uma grande corporação bilionária e poderosa. Também é verdade que temos poucas multinacionais e as que nos orgulhavam, como Ambev e Embraer, uma já passou ao controle acionário estrangeiro e outra está em vias de deixar o país. O que é mais interessante nessa pantomima toda armada por essa gente doutrinada no neoliberalismo da escola de Chicago é não compreender que o Brasil deve ser preparado para sua vocação em ser uma potência mundial no futuro, ou resignar-se e entregar-se a sina de ser somente um país fornecedor de commodities para o mundo industrializado. O Brasil não deveria pensar em vender as joias da coroa para demonstrar um alinhamento ideológico, mas preservá-las e protegendo-as do assédio de políticos e criar mecanismos de governança corporativas pautadas na visão de mercado, meritocracia e manutenção do capital nas mãos do povo brasileiro. Ser contrário a isso é muito estranho para quem saiu às ruas para votar usando verde e amarelo.
João Lago