Fazendo compras em um
supermercado, para o almoço do sábado de carnaval, quando fui abordado por uma
demonstradora de um energético, devidamente uniformizada com o produto que
estava expondo, com uma máscara de carnaval cobrindo-lhe a face. Ato contínuo
foi travado o seguinte diálogo:
- O senhor conhece a marca de
nosso energético?
- Não.
- Gostaria de prová-lo?
- Sim.
Após colocar a bebida em um copo
de café descartável, a demonstradora começou a relatar as qualidades intrínsecas
do produto e, como forma de querer agregar valor ao energético, virou-se
ficando de frente para mim e apontando para a figura que ilustrava sua camisa
perguntou:
- Este aqui é o “fulano de tal”
nosso garoto propaganda. O senhor conhece o nosso garoto propaganda?
- Não.
Pude constatar a decepção
estampada na face da moça, pois havia destruído o segundo argumento de
convencimento que a mesma provavelmente havia sido adestrada para usar com um
consumidor em potencial. Assim, frente a um sujeito que se figura fora da curva
de distribuição normal, ao ver aproximar-se outro consumidor abandonou-me e
passou a utilizar a mesma retórica com o sujeito. Esse encantado também com as curvas da moça
acabou convencido a comprar um litro da bebida e posar para uma foto ao lado da
pilha de energético.
Recentemente o apresentador de TV
Zeca Camargo foi condenado em primeira instância a indenizar a família de um
cantor sertanejo por uma matéria de sua autoria que criticava a cobertura da
mídia pelo exagero em uma suposta comoção nacional destinada a um cantor não
tão conhecido do público em geral. O sertanejo faleceu em um acidente
automobilístico e sinceramente nem eu mesmo o conhecia e também na época
concordei com as observações de Camargo. Porém, não era a primeira vez que me
via surpreendido pelo falecimento de um cantor que fugia de minha zona de
interesse musical, pois quando faleceu o cantor João Paulo, da dupla João Paulo
e Daniel, foi que tive conhecimento que os dois existiam. E que me perdoem os
fãs de Daniel, mas acredito que a carreira do mesmo foi turbinada na mídia a
partir do desaparecimento do seu parceiro de palco. Contudo, minha completa
ignorância é explicada pelo interesse mínimo que tenho no novo sertanejo que um
tempo atrás era chamado de “universitário”, justamente porque estava na boca
dos jovens de uma classe social mais escolarizada.
A literatura de marketing ensina
que consumidores podem ser segmentados, pois é natural que mesmo indivíduos
aparentemente tão diferentes possam ter alguns comportamentos convergentes, mas
o estilo de vida parece determinar uma quantidade maior de padrões similares.
Todavia, como nem todo homem é uma ilha, quando determinado tema (da música,
literatura etc.) está fora de nossa zona de interesse, em nossos relacionamentos
sociais em família, entre amigos e no trabalho, acabamos por ser bombardeados
com informações que teriam o destino a vala de nossa ignorância. Neste sentido,
um amigo e colega de trabalho lamentou-se comigo de uma música “chiclete” que
grudou em sua boca, dessas que uma vez na memória nos remete a cantá-la como
zumbis fossemos. Tratava-se de uma
esparrela chamada “que tiro foi esse”. Eu que não a conhecia e satisfeito com
essa minha ignorância, fui jogado no abismo cultural que hoje separa o que chamamos
de música dessas produções que empobrecem a música popular. Não somente essa
música, mas a ascensão de Pablo Vittar como astro do verão brasileiro demonstra
que há algo torto na percepção da estética musical. E não se trata do fato do
mesmo ser gay, ou de qualquer ojeriza que se possa ter quanto à opção sexual do
mesmo, mas o fato da música em si ser muito ruim. Se fosse Djavan cantando a
mesma música ainda assim seria péssima. Aliás, a reação de alguns grupos as
críticas que se possam existir a Pablo Vittar, atribuindo-as o fato de o mesmo
ser gay, não tem consonância ao sucesso que fez o grupo Secos e Molhados na
década de setenta no Brasil, cujo vocalista requebrava e dançava com a
sensualidade de uma mulher. Vale a pena lembrar que nos anos setenta vivíamos
uma ditadura militar e que os chamados “bons costumes” imperava como patrulha
de ordem política social. Porém, Ney Matogrosso era (e ainda é) talentoso e
quem não deixou de emocionar-se com Rosa de Hiroshima grande sucesso em sua
voz. Aqui está a diferença no que seja boa música e o que é simplesmente um
ritmo, uma peça dançante que assim como um surto de uma gripe forte que vem, contagiam-nos,
faz adoecer e vai-se para nunca mais voltar.
As crianças e jovens passam pela
escola pública e pouca atenção se dá a projetos que envolvam fazer conhecer o
que a cultura ocidental deixou-nos em séculos de existência, mesmo porque até
os mestres que estão ali para ensiná-los são ignorantes a todo esse legado.
Crescem sem conhecer Carlos Gomes, Heitor Vila Lobos, Mozart, Beethoven dentre
outros clássicos. Vão para as ruas vilipendiar monumentos, prédios históricos,
muros de casas com rabiscos grosseiros e jamais se enterneceram frente à obra
de Portinari, Di Cavalcante, Monet, Van Gogh. Meninas nas praças e ruas
requebram os quadris imitando um ato sexual, achando que dançam, mas nunca em
suas vidas viram a leveza de Quebra Nozes, Giselle dentre outros balés. A
ignorância se dá pela falta de oportunidade em conhecerem o que há de melhor em
artes e a escola que seria o caminho natural para dotar-lhes de um espírito
crítico do que seja boa música, dança e arte, preocupa-se mais em discutir a
necessidade de ideologias de gêneros e distribuir preservativos para evitar uma
gravidez precoce.
Sinceramente posso até ressentir-me
de minha ignorância para com a existência de alguns novos cantores sertanejos
que trazem boa poesia em suas canções, mas como gostaria de ser um completo
parvo e passar alheio a tanta imbecilidade que hoje somos quase que obrigados a
conhecer. Não se trata estar fechado para o mundo, mas ter a oportunidade de conhecer
e escolher o que mundo tem de melhor para nós e decidir racionalmente qual
caminho seguir.
João Lago