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terça-feira, 13 de junho de 2017

O pior da democracia



O melhor da democracia é o que estamos vivenciando nesses quase quatro anos, quando as primeiras escutas das conversas dos doleiros Carlos Chater e Alberto Youseff revelaram um esquema de corrupção envolvendo o então diretor de abastecimento da Petrobrás, Paulo Roberto Costa, que se constatou haver recebido como propina um Land Rover Evoque. Vale a pena lembrar que em julho de 2013, época dos acontecimentos, o veículo custava no mercado R$ 188.142,00, ou seja, um valor ínfimo quando comparado com o total de R$ 88 milhões que Costa ao final de sua condenação predispõe-se a devolver e totalmente insignificante quando comparado com os R$ 11,5 bilhões já recuperados pela justiça somente na operação lava a jato. O melhor da democracia é a independência dos poderes, a liberdade de expressão e de credo, direito ao patrimônio, uma imprensa livre e todas as demais garantias individuais previstas na Constituição de 1988. Não há outro sistema político e de governo que seja melhor que o regime democrático de direito e como disse Churchil, a democracia é um regime ruim, mas ainda não inventaram um que seja melhor. Porém, o que haveria de tão ruim na democracia?

Toda obra do pensamento humano que busque a pacificação das relações individuais e coletivas é imperfeita, por mais que inicialmente o seu autor buscasse a perfeição. Isto significa dizer que assim como um remédio cura, também apresenta efeitos colaterais e a humanidade ainda não conseguiu produzir na ciência política uma teoria que se ajustasse de maneira perfeita para sarar suas feridas sem deixar cicatrizes no tecido social. Por exemplo, quando Max Weber em sua obra Economia e Sociedade apresenta-nos a burocracia, o sociólogo alemão imaginava um sistema perfeito, no qual tudo estaria previamente normatizado, descrito, conhecido e todos sem exceção estariam sujeitos às regras impostas. Contudo, quando as empresas e governos começaram a usar a burocracia como forma de pacificação social, logo aparece o que alguns autores chamaram de “disfunções da burocracia”, ou seja, efeitos que inicialmente não foram previstos, ou ignorados por Weber, dentre eles: o particularismo, a satisfação de interesses pessoais, o excesso de regras, a hierarquia e individualismo e o mecanicismo. Não vou me ater ao academicismo e buscar explicar detalhadamente cada uma ou todas, mas como iniciamos esta reflexão citando o poder judiciário, vamos utilizar a seguinte situação hipotética. Imaginemos que uma chapa concorra à presidência de um país caribenho utilizando-se de recursos de caixa dois desviados de propina de uma grande estatal exportadora de bananas. Agora, em um exercício maior de elucubração, imaginemos que a chapa que perdeu recorra ao judiciário alegando uso de recursos ilícitos na campanha e peça impugnação da chapa vencedora. Porém, nesse meio tempo, em um delírio maior, imaginemos que o titular da chapa vencedora seja impedido e que assuma o vice que pertence a um partido fisiologista que jamais fora protagonista, mas sempre atuando como uma rêmora que se alimenta das sobras da boca do tubarão. Assim, o vice agora empossado como presidente aproxima-se da chapa perdedora e a coloca para compor o seu governo como no passado já havia sido feito em situação inversa. Para deixar isso tudo mais fantasioso e fantástico, o vice empossado nomeia juízes para compor a corte na qual o julgamento da impugnação da chapa ainda granjeia com o intuito de sobrestá-la, mas ainda assim a impugnação da chapa vai a julgamento. Esse país hipotético, apesar de bananeiro e pobre, é uma democracia, portanto a imprensa livre e os cidadãos de bem pedem a saída do governante corrupto que perdeu a moralidade necessária para presidir a nação, mas o vice ladino recusa-se a deixar o poder e cobra dos juízes indicados por ele a retribuição de suas nomeações e confia que sua aliança com o partido que compôs a chapa perdedora, também envolvido nas tramoias de corrupção, o ajude para que as tentativas de impedi-lo de continuar no cargo não sejam conduzidas a termo. Assim, o vice mesmo sujo em seus próprios dejetos nauseabundos consegue que a corte no julgamento ignore o caixa dois de propina recebido, alegando que a propina recebida não pode ser anexada ao processo, haja vista que os fatos só vieram à tona depois do recebimento da denúncia no judiciário.

Por mais que o exemplo seja hipotético e fantasioso, convenhamos que a realidade muitas vezes corteje a ficção e aqui serve para explicar algumas disfunções da burocracia. A primeira delas é o “particularismo”, quando os juízes por convicção em defender o interesse de quem os nomeou, retribuem e não incluem ao processo os fatos que comprovam o ilícito ocorrido posteriormente a propositura de impugnação entregue pela chapa que perdeu as eleições. A segunda disfunção, a “satisfação de interesses pessoais”, quando o vice e os líderes dos partidos que integraram a chapa perdedora movimentam-se para não dar prosseguimento à ação no judiciário e no parlamento contra qualquer pedido de impedimento ao vice empossado, pois sua eventual queda prejudicaria os interesses pessoais dos que estão agora encastelados no poder. A terceira disfunção “excesso de regras” quando os juízes mesmo a luz de fatos notórios e irrefutáveis de um crime, a ignora alegando que aceitá-la, mesmo que razoável e crível, não atendem as regras da lei. A quarta disfunção “hierarquia e individualismo” dá-se quando um juiz, mesmo que não tenha recebido suborno, julga por sua vaidade e por acreditar que tudo se trata de uma luta pelo poder e que o status quo é melhor do que antes e não será pior que o depois.

A democracia como invenção do pensamento humano, assim como a burocracia, não é perfeita e nem está livre de disfunções. Ao refletir quais as condições necessárias para que alguém possa ter o seu nome incluso em uma cédula de votação, algumas características podem ser elencadas: 1ª. Hereditariedade, pois são inúmeros os casos de verdadeiros clãs que passam de pai para filho um lugar na política. 2ª. Ter notoriedade na música, na dramaturgia, nos esportes ou em qualquer outra atividade que cause admiração e seguidores. 3ª. Ser muito rico e que utilize o poder financeiro para bancar uma campanha própria milionária ou comprar uma suplência e chegar a ocupar uma vaga sem ter um voto sequer. 4ª. Iniciar no mundo político como representante de associações, sindicatos, clubes de futebol e similares antes de se lançar candidatura a um cargo público eletivo. 5ª. Ser convidado a filiar-se a um partido para exercer um lugar de subserviência às ordens do dono da legenda, não sendo necessário ter ideias ou ideais, mas somente a ambição necessária para sujeitar-se a qualquer tipo de atividade (até mesmo a de carregar malas de dinheiro) até que um dia, por sua fidelidade acima de qualquer princípio ético, possa enfim ser indicado a qualquer coisa. 6ª. Não ter qualquer talento, mas que tenha uma fama efêmera (por exemplo um ex-BBB, um palhaço etc.) e reunir para si votos de protestos. 7ª. Filiar-se a um partido por convicção ideológica e por meio da exposição de suas ideias inovadoras para modificar a triste realidade vigente, possa ser indicado pela máquina partidária para uma disputa eleitoral. Em todos esses sete casos citados, é condição necessária para concorrer ao sufrágio universal estar filiado a um dos 35 partidos registrados na justiça eleitoral.

A disfunção que revela o que há de pior na democracia tem raiz na representação política, ou na forma que são escolhidos os nossos representantes. Esta reflexão aponta, embora um pouco pessimista, que existe uma única via capaz de dar a pessoas de bem a oportunidade de entrar para a política. Porém, embora sejam muitas as siglas partidárias, não se pode dizer que todas possuem uma matriz ideológica e muitas se comportam como legendas de aluguel de grupos que as tem como um feudo, cujos vassalos orbitam em postos menores, mas jamais acendendo ao posto máximo representativo. Basta relembrar quais foram os nomes lançados nos últimos pleitos para qualquer eleição majoritária e verificar que os nomes se repetem e quase não há o novo a ser apresentado. Parece claro que o sol não brilha para todos da mesma maneira e que a política assemelhas-se a uma carreira dispendiosa e inacessível para quem tenha que estudar, cuidar de uma família e que não possa abdicar de trabalhar para ganhar o sustento. São poucos os que possam ter a política como ofício, coisa que em tese nem é admirável, pois não deveria ser uma profissão. No entanto, os últimos fatos demonstram que muito além de ser um emprego rentável, hoje a política serve para o enriquecimento rápido e fácil, ficando o desejo de servir ao bem comum como uma distante retórica que somente aparece na propaganda eleitoral, logo esquecida.

 O melhor da democracia é a liberdade de expressão garantida na Constituição Federal que nos permite apontar o dedo para o que existe de pior no regime democrático. No entanto, nada se modificará se o cidadão não agregar qualidade a si mesmo e ao voto que elege a escória de políticos hoje encastelados na estrutura de poder. Ninguém que não se sentisse capaz de conhecer e entender a política não deveria ser obrigado a votar e talvez a retirada do voto obrigatório pudesse conferir a política uma melhor qualidade de escolha dos representantes. O pior da política é que estamos vendo, mas ainda assim nada substituiu a liberdade do regime democrático que possibilita a esperança que um dia tudo possa ser diferente.

João Lago