sexta-feira, 16 de junho de 2017
terça-feira, 13 de junho de 2017
O pior da democracia
O melhor da democracia é o que
estamos vivenciando nesses quase quatro anos, quando as primeiras escutas das
conversas dos doleiros Carlos Chater e Alberto Youseff revelaram um esquema de
corrupção envolvendo o então diretor de abastecimento da Petrobrás, Paulo Roberto
Costa, que se constatou haver recebido como propina um Land Rover Evoque. Vale
a pena lembrar que em julho de 2013, época dos acontecimentos, o veículo
custava no mercado R$ 188.142,00, ou seja, um valor ínfimo quando comparado com
o total de R$ 88 milhões que Costa ao final de sua condenação predispõe-se a
devolver e totalmente insignificante quando comparado com os R$ 11,5 bilhões já
recuperados pela justiça somente na operação lava a jato. O melhor da
democracia é a independência dos poderes, a liberdade de expressão e de credo,
direito ao patrimônio, uma imprensa livre e todas as demais garantias
individuais previstas na Constituição de 1988. Não há outro sistema político e
de governo que seja melhor que o regime democrático de direito e como disse
Churchil, a democracia é um regime ruim, mas ainda não inventaram um que seja
melhor. Porém, o que haveria de tão ruim na democracia?
Toda obra do pensamento humano que
busque a pacificação das relações individuais e coletivas é imperfeita, por mais
que inicialmente o seu autor buscasse a perfeição. Isto significa dizer que
assim como um remédio cura, também apresenta efeitos colaterais e a humanidade
ainda não conseguiu produzir na ciência política uma teoria que se ajustasse de
maneira perfeita para sarar suas feridas sem deixar cicatrizes no tecido
social. Por exemplo, quando Max Weber em sua obra Economia e Sociedade
apresenta-nos a burocracia, o sociólogo alemão imaginava um sistema perfeito,
no qual tudo estaria previamente normatizado, descrito, conhecido e todos sem
exceção estariam sujeitos às regras impostas. Contudo, quando as empresas e
governos começaram a usar a burocracia como forma de pacificação social, logo
aparece o que alguns autores chamaram de “disfunções da burocracia”, ou seja,
efeitos que inicialmente não foram previstos, ou ignorados por Weber, dentre
eles: o particularismo, a satisfação de interesses pessoais, o excesso de
regras, a hierarquia e individualismo e o mecanicismo. Não vou me ater ao
academicismo e buscar explicar detalhadamente cada uma ou todas, mas como
iniciamos esta reflexão citando o poder judiciário, vamos utilizar a seguinte
situação hipotética. Imaginemos que uma chapa concorra à presidência de um país
caribenho utilizando-se de recursos de caixa dois desviados de propina de uma
grande estatal exportadora de bananas. Agora, em um exercício maior de
elucubração, imaginemos que a chapa que perdeu recorra ao judiciário alegando
uso de recursos ilícitos na campanha e peça impugnação da chapa vencedora. Porém,
nesse meio tempo, em um delírio maior, imaginemos que o titular da chapa
vencedora seja impedido e que assuma o vice que pertence a um partido
fisiologista que jamais fora protagonista, mas sempre atuando como uma rêmora
que se alimenta das sobras da boca do tubarão. Assim, o vice agora empossado
como presidente aproxima-se da chapa perdedora e a coloca para compor o seu
governo como no passado já havia sido feito em situação inversa. Para deixar isso
tudo mais fantasioso e fantástico, o vice empossado nomeia juízes para compor a
corte na qual o julgamento da impugnação da chapa ainda granjeia com o intuito
de sobrestá-la, mas ainda assim a impugnação da chapa vai a julgamento. Esse
país hipotético, apesar de bananeiro e pobre, é uma democracia, portanto a
imprensa livre e os cidadãos de bem pedem a saída do governante corrupto que
perdeu a moralidade necessária para presidir a nação, mas o vice ladino
recusa-se a deixar o poder e cobra dos juízes indicados por ele a retribuição
de suas nomeações e confia que sua aliança com o partido que compôs a chapa
perdedora, também envolvido nas tramoias de corrupção, o ajude para que as
tentativas de impedi-lo de continuar no cargo não sejam conduzidas a termo.
Assim, o vice mesmo sujo em seus próprios dejetos nauseabundos consegue que a
corte no julgamento ignore o caixa dois de propina recebido, alegando que a
propina recebida não pode ser anexada ao processo, haja vista que os fatos só
vieram à tona depois do recebimento da denúncia no judiciário.
Por mais que o exemplo seja
hipotético e fantasioso, convenhamos que a realidade muitas vezes corteje a
ficção e aqui serve para explicar algumas disfunções da burocracia. A primeira
delas é o “particularismo”, quando os juízes por convicção em defender o
interesse de quem os nomeou, retribuem e não incluem ao processo os fatos que
comprovam o ilícito ocorrido posteriormente a propositura de impugnação
entregue pela chapa que perdeu as eleições. A segunda disfunção, a “satisfação
de interesses pessoais”, quando o vice e os líderes dos partidos que integraram
a chapa perdedora movimentam-se para não dar prosseguimento à ação no
judiciário e no parlamento contra qualquer pedido de impedimento ao vice
empossado, pois sua eventual queda prejudicaria os interesses pessoais dos que
estão agora encastelados no poder. A terceira disfunção “excesso de regras”
quando os juízes mesmo a luz de fatos notórios e irrefutáveis de um crime, a
ignora alegando que aceitá-la, mesmo que razoável e crível, não atendem as
regras da lei. A quarta disfunção “hierarquia e individualismo” dá-se quando um
juiz, mesmo que não tenha recebido suborno, julga por sua vaidade e por
acreditar que tudo se trata de uma luta pelo poder e que o status quo é melhor do que antes e não será pior que o depois.
A democracia como invenção do
pensamento humano, assim como a burocracia, não é perfeita e nem está livre de
disfunções. Ao refletir quais as condições necessárias para que alguém possa
ter o seu nome incluso em uma cédula de votação, algumas características podem
ser elencadas: 1ª. Hereditariedade, pois são inúmeros os casos de verdadeiros
clãs que passam de pai para filho um lugar na política. 2ª. Ter notoriedade na
música, na dramaturgia, nos esportes ou em qualquer outra atividade que cause
admiração e seguidores. 3ª. Ser muito rico e que utilize o poder financeiro
para bancar uma campanha própria milionária ou comprar uma suplência e chegar a
ocupar uma vaga sem ter um voto sequer. 4ª. Iniciar no mundo político como
representante de associações, sindicatos, clubes de futebol e similares antes
de se lançar candidatura a um cargo público eletivo. 5ª. Ser convidado a
filiar-se a um partido para exercer um lugar de subserviência às ordens do dono
da legenda, não sendo necessário ter ideias ou ideais, mas somente a ambição
necessária para sujeitar-se a qualquer tipo de atividade (até mesmo a de
carregar malas de dinheiro) até que um dia, por sua fidelidade acima de
qualquer princípio ético, possa enfim ser indicado a qualquer coisa. 6ª. Não
ter qualquer talento, mas que tenha uma fama efêmera (por exemplo um ex-BBB, um
palhaço etc.) e reunir para si votos de protestos. 7ª. Filiar-se a um partido
por convicção ideológica e por meio da exposição de suas ideias inovadoras para
modificar a triste realidade vigente, possa ser indicado pela máquina
partidária para uma disputa eleitoral. Em todos esses sete casos citados, é
condição necessária para concorrer ao sufrágio universal estar filiado a um dos
35 partidos registrados na justiça eleitoral.
A disfunção que revela o que há
de pior na democracia tem raiz na representação política, ou na forma que são
escolhidos os nossos representantes. Esta reflexão aponta, embora um pouco
pessimista, que existe uma única via capaz de dar a pessoas de bem a
oportunidade de entrar para a política. Porém, embora sejam muitas as siglas
partidárias, não se pode dizer que todas possuem uma matriz ideológica e muitas
se comportam como legendas de aluguel de grupos que as tem como um feudo, cujos
vassalos orbitam em postos menores, mas jamais acendendo ao posto máximo
representativo. Basta relembrar quais foram os nomes lançados nos últimos
pleitos para qualquer eleição majoritária e verificar que os nomes se repetem e
quase não há o novo a ser apresentado. Parece claro que o sol não brilha para
todos da mesma maneira e que a política assemelhas-se a uma carreira
dispendiosa e inacessível para quem tenha que estudar, cuidar de uma família e
que não possa abdicar de trabalhar para ganhar o sustento. São poucos os que
possam ter a política como ofício, coisa que em tese nem é admirável, pois não
deveria ser uma profissão. No entanto, os últimos fatos demonstram que muito
além de ser um emprego rentável, hoje a política serve para o enriquecimento
rápido e fácil, ficando o desejo de servir ao bem comum como uma distante
retórica que somente aparece na propaganda eleitoral, logo esquecida.
O melhor da democracia é a liberdade de
expressão garantida na Constituição Federal que nos permite apontar o dedo para
o que existe de pior no regime democrático. No entanto, nada se modificará se o
cidadão não agregar qualidade a si mesmo e ao voto que elege a escória de
políticos hoje encastelados na estrutura de poder. Ninguém que não se sentisse
capaz de conhecer e entender a política não deveria ser obrigado a votar e
talvez a retirada do voto obrigatório pudesse conferir a política uma melhor
qualidade de escolha dos representantes. O pior da política é que estamos
vendo, mas ainda assim nada substituiu a liberdade do regime democrático que
possibilita a esperança que um dia tudo possa ser diferente.
João Lago
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