O economista francês Thomas
Piketty, ao meu ver, tem potencial para ser agraciado com o Nobel de economia,
por sua obra O Capital no Século XXI. Muitas das conclusões de Piketty, sem
falsa modéstia, já haviam transitado em minha cabeça insana, mas pela falta de
subsídios teóricos e ausência de pesquisa, jamais saíram do meu “achismo”.
Assim, o mérito de Piketty é apontar, com uma racionalidade factual, que hoje o
mundo vive um período de aumento das desigualdades econômicas e da concentração
de 90% da renda mundial nas mãos de apenas 10% de indivíduos.
Não vou tecer uma crônica sobre a
obra de Picketty, pois muitas já foram feitas e por gente com muito mais
gabarito para falar sobre economia, mas brevemente pretendo abordar as ideias
de Piketty dentro da realidade socioeconômica japonesa, da política tributária estadunidense
e da cena brasileira, a partir do momento atual em que vivemos, de baixo
crescimento econômico, alta de inflação, juros altos, estagnação e de
desinvestimento na educação e as consequências disto tudo para o aumento da
desigualdade vis-à-vis o empobrecimento da classe média brasileira e a
concentração da renda entre os mais ricos. Falando em português claro, quem tem
muito dinheiro, ficará cada vez mais rico e aqueles que dependem exclusivamente
da força de seu trabalho, cada dia mais empobrecidos.
Absolutamente não pretendo entrar
no academicismo econômico, mas é preciso que se diga que o baixo crescimento
econômico sistemático nas nações desenvolvidas não é tão deletério para a população
como o são para as nações não desenvolvidas e para explicar isto vamos ao
extremo. O PIB - Produto Interno Bruto Japonês entre 1995 e 2010 não cresceu
acima de US$ 5,5 trilhões de dólares, aliás, teve queda substancial ao ponto de
2002 bater US$ 3,98 trilhões dólares. Nesse mesmo período a inflação japonesa
esteve sempre próxima à zero (com períodos de deflação) e nos poucos períodos
de alta inflacionária não ultrapassou 2% ao ano. Outro ponto importante, na
construção deste cenário japonês, é o comportamento da taxa de juros no país
que esteve também próxima à zero, embora a dívida pública japonesa tenha
crescido muito em igual período, tendo chegado em 2012 a registrar US$12,3
trilhões de dólares, representando mais de 200% sobre o PIB. No entanto, apesar
do aumento da dívida pública japonesa, o saldo da balança comercial do Japão
sempre foi positivo, que significa que sempre exportou mais produtos que
importou do resto do mundo. Embora o tsumani que atingiu o Japão em 2011 tenha
prejudicado o resultado da balança comercial, e desde então aumentado ainda
mais a dívida pública desse país, em 2012 havia reservas monetárias na ordem de
U$ 6,3 trilhões de dólares. Isto significa, metaforicamente, que se o Japão
decidisse sair de férias por um ano, poderia manter sua economia somente com as
reservas acumuladas durante anos de poupança interna. Outro ponto importante,
para compor os dados socioeconômicos japonês, é o baixo índice de natalidade e
o fato que o Japão é um país que para construir-se uma ponte, tem-se que
demolir uma antes que já está naquele lugar. Ou seja, pouco se há de fazer em
um país que já possui estradas, portos, escolas da melhor qualidade,
diferentemente de um Brasil em que muita coisa precisa ser construída.
Em um estudo realizado por
Correia (2007), que analisou o saldo em transações correntes japonês durante
trinta e cinco anos, ao final apresenta como sugestão para pesquisas futuras a
seguinte problemática: “Caso um país tenha incentivos a manter sistematicamente
superávits externos, esse país seria literalmente ‘o dono do mundo’. Será que a
dinâmica de acumulação desses ativos resultaria nesses resultados de acumulação
infinita de estoque de capital do resto do mundo?”
A obra de Piketty esclarece a
dúvida de Correia, pois alerta que quando a taxa de remuneração do capital é
maior que a taxa de crescimento econômico, há a tendência da renda
concentrar-se-á ainda mais nas mãos daqueles mais ricos independentemente da
nacionalidade desses indivíduos. Para exemplificar isto, analisemos o caso do
homem considerado o mais rico do Brasil, o empresário Jorge Paulo Lemann, que
possui controle acionário da Inbev, Lojas Americanas, Burger King, Heinz e
especula-se que esteja prestes a comprar a Pepsi. Nota-se que a maioria dessas empresas
atuam no mercado mundial e Lemann, apesar de carioca, tem cidadania suíça (por
ser filho de imigrantes suíços) e possui residência fixa em Zurique, sendo um
exemplo que os donos de fortunas acumulam riquezas em vários cantos do mundo e
não necessariamente a repatriam para o seu local de nascimento. Aliás, os
malfeitores envolvidos na operação lava-jato demonstraram que suas fortunas não
estavam no Brasil, mas seguras em bancos na Suíça e em outros paraísos fiscais.
Ou seja, os superávits externos via saldo em transações correntes (ex.: pagamento
de juros e remessas de lucros ao exterior, entre outros itens) favorecem os países
que convergem uma maior quantidade de indivíduos donos de capital investidos em
outros países. Não por acaso, o capital especulativo que é atraído pelo
pagamento de juros elevados de países como o Brasil, em momentos de crise são
rapidamente repatriados aos bancos centrais de origem. Não somente isto, o
Brasil carece de multinacionais brasileiras que possam garantir remessa de
lucros de ganhos em outros países, como ocorre com as nações desenvolvidas. Os
superávits sistemáticos em transações correntes do Japão servem como mantenedores
de um padrão econômico social elevado, apesar do baixo crescimento econômico e
do aumento da dívida pública japonesa.
No discurso do Estado da União
proferido em 20 de janeiro último, que tradicionalmente o presidente
estadunidense faz relatando fatos de seu governo e quais as prioridades que
necessitam do congresso dos EUA, Barack Obama abordou a necessidade de aumentar
os impostos para os mais ricos dizendo: “como
americanos, nós não nos importamos em pagar nossa parte justa de impostos desde
que todos façam a mesma coisa. Mas por muito tempo os lobistas tem manipulado o
código tributário encontrando brechas para que empresas paguem nada, enquanto
outras pagam tudo. Os super-ricos são presenteados daquilo que não precisam,
negando-se o mesmo para as famílias de classe média”. E sobre a tributação
de impostos para a classe média Barack Obama ainda diz: “a economia que classe média deseja significa ajudar as famílias
trabalhadoras a sentirem-se mais seguras em um mundo de mudanças constante.
Isto significa ajudar pessoas a pagarem creche, faculdade, serviços de saúde,
moradia, reformas e o orçamento (dos EUA) irá contemplar a redução dos impostos
das famílias trabalhadoras, devolvendo milhares de dólares para os seus bolsos
a cada ano”. A mensagem do presidente estadunidense é clara: dar garantia
para que os trabalhadores possam pagar pelos serviços que necessitam, via
transferência de renda pela desoneração dos impostos. Assim, com menos impostos
para a classe média e com o aumento da tributação para os mais ricos, Obama
pretende alavancar a arrecadação em US$ 320 bilhões de dólares nos próximos dez
anos.
Thomas Piketty alertou que um
mundo que cresce pouco os ricos tendem a concentrar toda a renda e o pensamento
do governo dos EUA, sobre a desoneração dos impostos para a classe média e o
aumento dos impostos para os mais ricos, converge para resolver este problema.
Países desenvolvidos como o Japão, com elevada poupança interna e de sucessivos
superávits primários na economia, podem ser dar ao luxo de não crescer o PIB e
nem por isso gerar convulsão social interna. Países com o Brasil, China e
demais membros do BRICS, não consegue distribuir renda (e manter benefícios
sociais) sem crescimento econômico. No entanto, o Brasil iniciou 2015 sinalizando
o oposto que a racionalidade econômica mais avançada está demonstrando, pois
quem está sendo mais penalizado com as medidas do governo é a classe média
trabalhadora. Porém, para piorar ainda mais nossa situação, se nossa economia
estivesse à pleno emprego, a crise hídrica que afeta diretamente a geração de
energia elétrica seria um entrave para o crescimento industrial brasileiro.
O ano de 2015 não será bom para o
Brasil e a recessão infelizmente será um mal necessário. A nação poderia dar-se
as mãos e buscar alternativas para aliviar o peso desse fardo para a população
que trabalha. Porém, antes de nomearmos o que é prioritário para o Brasil, duas
medidas deveriam ser tomadas de imediato: 1º. O combate sistemático à corrupção
e; 2º. Combater a impunidade institucionalizada nos tribunais. Infelizmente, o Congresso
Nacional e o Governo Federal não dão demonstrações que desejam isso, mesmo com
todo o esforço que parte do judiciário faz para colocar marginais de colarinho
branco na cadeia, ainda que a outra parcela os mande soltar.
A esperança continua, mesmo
porque o ano ainda não começou. Esperamos que passe os festejos de Momo para
que possamos retornar a nossa dura realidade.
João Lago.
Administrador, professor e morador do Conjunto Santos Dumont.
Referências/Notas:
BRICS – Acrônimo que designa Brasil, Rússia, Índia, China e África
do Sul
CORREIA, Leonardo Batista. Estudo sobre o salda das transações
correntes baseado no modelo de suavização do consumo – uma aplicação para a
economia japonesa no período de 1970 – 2005. Dissertação de mestrado. USP de
Ribeirão Preto, 2007.
Ministério das Relações Exteriores - MRE. Japão Comércio Exterior,
Dezembro 2014.
PIKETTY, Thomas. O capital no século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.