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segunda-feira, 5 de setembro de 2016

A República das Abotoaduras



Lembro-me do caso daquele juiz trabalhista no Paraná que em 2007 cancelou uma audiência porque Pereira, um agricultor, estava usando chinelos. No ofício, ele justificou sua atitude argumentando que considerava o modo como o trabalhador se vestia incompatível com a dignidade do Poder Judiciário. Não foi este um caso isolado. No mesmo ano, outro magistrado no fórum de Lagoa Vermelha, no Rio Grande do Sul, também suspendeu a audiência porque o trabalhador que entrou com uma ação trabalhista foi ao fórum vestindo uma bermuda. O juiz assim procedeu porque igualmente considerou o modo do trabalhador se vestir incompatível com a dignidade do Poder Judiciário.
No julgamento do impeachment de Dilma no senado, as abotoaduras douradas de Lewandowski,  presidente do Supremo Tribunal Federal - STF, chamaram a minha atenção, assim como não pude deixar de notar as lindas abotoaduras que Temer, presidente recém empossado do Brasil, ostentava na reunião do G20 na China. Mas, retornando ao ponto de nosso introito, usar abotoaduras parece conferir a importância que buscam construir para mostrar a nação que ambos são aptos para exercer com dignidade a investidura aos cargos que possuem. Ledo engano.
Renan Calheiros, outro adepto de abotoaduras, reunido com Lewandowsky, arquitetou que Dilma saísse da presidência da república com os seus direitos políticos intactos, que imediatamente criou precedente para que outras figuras obtusas da política exigissem idêntico tratamento.  Delcídio do Amaral, ex-senador do PT que foi preso pelo juiz Moro pela tentativa de obstrução da operação lava a jato, foi o primeiro que se apresentou para tentar reaver seus direitos políticos caçados pelo senado.  Outro, que está em vias de ter o seu mandato caçado, é o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) que já articula com os seus aliados a manutenção de seus direitos políticos a partir da lambança de Calheiros e Lewandowsky, pois é certo que o voto de cabresto dos evangélicos cariocas da Assembleia de deus (esse deus dele minúsculo mesmo) novamente o elegerão. Aliás, o Eduardo Cunha destaca-se com louvor como deputado ostentação que, juntamente com sua esposa, mostra-se adepto ao turismo e ao consumo de luxo.
Somos um país com desigualdades acentuadas e composto por uma sociedade que cada vez mais perigosamente lê o livro pela capa. Esse tipo de inconsciente coletivo se sobressai com a cultura da ostentação e na ideologia religiosa da prosperidade, que utilizam o desejo do ser humano em ser aceito na sociedade para vender a ideia que possuir bens materiais é o mais importante. Partem do princípio que a dignidade humana pode ser quantificada por aquilo que o indivíduo possui. Porém, seria possível o total desprezo pelos bens materiais e a construção de uma sociedade sem diferenças econômicas entre seus indivíduos?
O filme Doador de Memórias (The Giver – 2014) retrata uma civilização futurista perfeita, sem diferenças sociais, sem conflitos, sem doenças, mas com completa ausência de paixões humanas, na qual quando um adolescente chega à idade adulta, a ele é designada uma função na comunidade (médico, gari, professor etc.). Uma sociedade de racionalidade pragmática, mas para isso desde cedo seus cidadãos tomam drogas para suprimir sentimentos, sendo o amor um deles. Não sei se o diretor Phillip Noyce desejou passar uma mensagem política. Em todo o caso, não somos uma sociedade de abelhas, ideologicamente higienizada e com desígnios pessoais traçados, rígidos e imutáveis. O marxismo como filosofia pode até ser aceitável sob certos aspectos, mas economicamente falha justamente por ignorar a existência das paixões humanas e do desejo de prosperidade inerente a quem busque reconhecimento pelo esforço empreendedor. Talvez por isso que todas as nações que tentaram o marxismo, por não dispor de tais drogas mágicas, utilizaram a repressão para suprimir qualquer sentimento ou desconforto do indivíduo com o seu sistema político e econômico. Na impossibilidade do comunismo distribuir prosperidade, resolveu socializar a mediocridade e a pobreza. Um exemplo moderno disto são as filas imensas nos supermercados e o desabastecimento de produtos de primeira necessidade nas prateleiras dos supermercados Venezuelanos e Cubanos. Racionamento igual aos vividos nos áureos tempos do bloco comunista europeu indicando que nada mudou. Enquanto a Europa capitalista prosperava e distribuía oportunidades e qualidade de vida, o leste europeu era sinônimo de ineficiência política e econômica.
O Brasil um dia esteve unido na esperança que um governo de esquerda pudesse levar dignidade aos que somente tem bermudas para vestir e sandálias para calçar, mas com a falência da esquerda, simbolizada pelo populismo lulopetista, vários grupos de doutrinas marxistas nas organizações sindicais, em grupos comunitários, nos movimentos campesinos, nos diretórios acadêmicos universitários, sentiram-se órfãos e distantes em identidade e em interlocução com o novo governo que se apresenta. Talvez para esses grupos o enriquecimento ostentação de Lula, seus filhos e demais membros que estão presos ou processados pela operação lava jato, seja um mal menor. Ruim com eles, pior sem eles e a tendência é que esses grupos inconformados com o afastamento de Dilma, mesmo sendo uma minoria insignificante, ainda irão produzir muito barulho. Está foi a promessa de Lula quando esbravejava ante a possibilidade do impeachment de Dilma.
Temer fala em pacificação do país, mas ela não será construída com a ostentação portentosa de abotoaduras de ouro, porque esse tipo de adereço não é aquele que orna a ideia estética dos marxistas, ainda que eles possam ter o desejo incubado de colocar uma bem vistosa nos punhos. Porém, por mais que se possa louvar a erudição de Michel Temer, que muito distante de sua antecessora é capaz de construir frases conexas e demonstrar certo equilíbrio nas emoções, não é a figura política capaz de reunir entorno de si uma unanimidade, pois ainda pesa ao seu lado o PMBD de Renan Calheiros, Eduardo Cunha, Jader Barbalho, Eduardo Braga e outras tantas figuras sinistras da república.
O maior mal que o PT fez ao Brasil foi destruir o que se chama de "esquerda" em nossa política, justamente aquela que um dia foi chamada progressista. O espólio sem dono após a morte do governo do PT faz com que esses movimentos de esquerda não saibam para onde ir, como se não houvesse mais um caminho a seguir e se agarram a esse cadáver putrefato. O discurso e o alinhamento dos senadores da REDE de Marina Silva com a ideia de golpe do PT é um exemplo da impossibilidade de uma visão de um novo caminho. É lamentável, triste, mas é essa herança maldita que Lula deixa para o Brasil.
Podemos não gostar do Michel Temer, mas se espera que nesses próximos dois anos alguma melhoria na economia possa novamente trazer esperança de que pelo menos não irá faltar emprego e, por conseguinte, comida à mesa. Contudo, não podemos jamais nos esquecer de que Temer é também uma herança que recebemos das escolhas políticas erradas do PT.
João Lago.